A nebulosa de Órion ocupa um lugar especial no coração Adventista. Desde 1848, quando Ellen White mencionou Órion no livro Primeiros Escritos, os Adventistas têm ansiosamente focado os seus olhos e telescópios para esse lugar no céu em busca de sinais e evidências da Segunda Vinda. A passagem em questão diz:
"Nuvens negras e densas subiam e chocavam-se entre si. A atmosfera abriu-se e recuou; pudemos então olhar através do espaço aberto em Órion, donde vinha a voz de Deus. A santa cidade descerá por aquele espaço aberto."(PE, 41).
Pano de Fundo Histórico
Entre 1846 e 1848, Ellen White teve três visões que mostraram eventos no céu. A primeira ocorreu em Novembro de 1846 em Topsham, Maine, na qual ela descreveu uma viagem pelo Cosmos onde viu planetas com suas luas. Presente ali estava o capitão e astrónomo amador, José Bates. Embora nenhum relato oficial exista sobre aquele episódio, sabemos através do relato de John Loughborough[1] e Ella Robinson[2] (neta de Ellen White) que foi Bates quem descreveu o que Ellen White viu em 1846. Quando ela mencionou um planeta com 4 luas, Bates disse, "Ela está vendo Júpiter!" Quando ela vê um planeta com 7 luas, Bates exclama: "Ela está vendo Saturno!"[3]
Após isso, Ellen White descreve algo que se assemelha aos "céus que se abrem", que haviam interessado Bates há alguns meses (abaixo veremos porque). Segundo ele, a descrição de Ellen White desses "céus que se abrem" era a mais incrível que ele já tinha ouvido, especialmente porque ela lhe havia dito que nunca sequer havia consultado um livro de astronomia e não conhecia nada do assunto. [4] Bates concluiu: "Isso é obra de Deus!"[5] Como resultado, Bates passou a crer no dom profético de Ellen White. A visão tinha um propósito específico: impressionar Bates a tomar uma decisão. Deus tinha um plano para ele pois foi um dos grandes pioneiros que introduziu a verdade do sábado para Ellen e Tiago White.[6]
É importante ressaltar que em Maio do mesmo ano, ou seja, seis meses antes da visão, Bates havia publicado um panfleto intitulado "Os Céus Que Se Abrem"[7] no qual ele analisou a relação entre astronomia e a Bíblia e procurou determinar exactamente onde era estava o "paraíso de Deus e a Nova Jerusalém". O panfleto foi fruto de várias noites observando Órion na casa de um amigo que havia recentemente comprado um telescópio. Bates se baseou em menções de uma "abertura" em Órion descoberta por outros astrónomos tais como Parsons, Huygens and Ferguson. Mais de cem anos antes, Huygens havia descrito Órion como abrindo-se para outra "região mais iluminada."[8] No seu panfleto, Bates equipara o "céu aberto" de João 1:51 à nebulosa de Órion e como o ponto ao leste onde "o mundo logo verá o que o crente no Segundo Advento tem ansiosamente aguardado."[9] Ele finaliza o panfleto dizendo que a "Nova Jerusalém... o Paraíso de Deus ... está agora prestes a descer do "terceiro céu", através da porta aberta ... de Órion."[10] Tudo indica então que, embora Ellen White não tenha citado Órion especificamente na visão dos planetas em Novembro de 1846, Bates concluiu que ela falara dos "céus que se abrem" em Órion, expressão que ele havia usado várias vezes. Mais tarde em sua autobiografia (1864), Bates estava ainda mais seguro da relação entre Órion e o céu quando concluiu que: "Essa abertura no céu é sem dúvida a mesma mencionada nas Escrituras. João 1:51; Apo. 19:11. O centro dessa constelação (Órion) está no centro, entre os polos do céu."[11] Aparentemente, essa certeza pode ter partido do pressuposto de que Ellen White viu Órion em sua visão de 1846, algo que nunca foi confirmado por ela.
A segunda visão ocorreu em dia 3 de Abril de 1847 também em Topsham, Maine e tratou da Segunda Vinda (Veja Primeiros Escritos, p. 32-35). A descrição da visão é bastante similar à que estamos estudando porém, sem mencionar Órion: "Nuvens negras e pesadas se acumularam e se chocavam umas contra as outras. Mas havia um espaço claro de glória indescritível, de onde veio a voz de Deus como de muitas águas, a qual fez estremecer os céus e a Terra."(p. 34).
A terceira visão, cuja descrição contém a menção de Órion, foi recebida em Rocky Hill, Connecticut no dia 16 de Dezembro de 1848. Vamos agora analisar algumas das implicações da menção de Órion por Ellen White ao interpretar essa visão.
Astronomia
Não é difícil imaginar porque os astrónomos do passado se maravilharam com Órion; suas cores e brilho continuam a atrair astrónomos. Junte essa curiosidade com conhecimento de teologia, e não é difícil entender porque Bates concluiu mais do que depressa que Órion era a porta do céu. Durante a segunda parte do século 19, avanços em astronomia começaram a elucidar o que realmente acontece em Órion. Desde 1990, quando o telescópio espacial Hubble (diga-se RRÃ-bôl) entrou em órbita, suas imagens de alta definição revelaram mais nitidamente o que outros já haviam suspeitado: não existe nenhum "espaço aberto" na constelação de Órion. Ela é formada de estrelas, gases e poeira cósmica que aos olhos de astrónomos do passado com seus telescópios limitados, parecia a entrada para um lugar ainda mais luminoso.
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Nebulosa de Órion vista em 1741,
desenho de A. Long.[13] |
Órion, embora seja uma das constelações mais próximas da Terra, está a 1.500 anos-luz[12] de distância, o que equivale a aproximadamente 14 quatriliões de quilómetros. A luz de Órion que vemos hoje foi gerada 1.500 anos atrás! Em outras palavras, para que víssemos algo se abrindo em Órion hoje, esse evento teria que ter ocorrido há 1.500 anos para que a luz desse evento chegasse a tempo até nós. Nosso sistema solar inteiro poderia caber dentro da extensão da nebulosa de Órion no mínimo 20.000.000 de vezes! A estrela Betelgeuse em Órion, por exemplo, é de 400-1.000 vezes maior do que o Sol.
José Bates, pioneiro Adventista que descreveu Órion como sendo "sem sombra de dúvida" a porta do Céu.
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José Bates, pioneiro Adventista que
descreveu Órion como sendo
"sem sombra de dúvida" a porta do Céu. |
Quando consideramos esses fatos, cabe perguntar: Seria possível observar alguma coisa passando através de Órion? Vejamos: a Cidade Santa segundo Apocalipse 21:16 tem o comprimento de 12.000 estádios. Vamos considerar esse número como literal para efeito de ilustração, o que equivale a 2.200 quilómetros. Assim, considerando-se que Órion tem 100 triliões de quilómetros de área, se Jesus com seus anjos ocupassem uma área como a Nova Jerusalém, seria impossível vê-los passando através de Órion, mesmo com os mais potentes telescópios hoje. Seria mais fácil alguém num Boeing 747 a 10 km de altura achar uma agulha no meio na Amazónia a olho nu. Além disso, para que Jesus e seus anjos pudessem fisicamente atravessar Órion e chegar até a Terra, eles teriam que viajar à velocidade de no mínimo 14 quatriliões de km/hr, ou seja, 14 milhões de vezes acima da velocidade da luz!
Não estamos questionando se os anjos podem ou não alcançar tais velocidades, nem tampouco querendo substituir a fé pela ciência. A pergunta na verdade deveria ser, Por quê eles sequer se limitariam a percorrer tal distância?[14]
Eu gostaria de sugerir que a relação entre a Terra e o Céu é em termos de "dimensão" e não em distância, localização ou pontos de acesso. A complexidade dessa odeia é exemplificada por Paulo em 2 Cor. 12:2: "Conheço um homem em Cristo que há catorze anos (se no corpo não sei, se fora do corpo não sei; Deus o sabe) foi arrebatado até o terceiro céu." Paulo não sabia como havia chegado ao Céu, obviamente porque o Céu está em outra dimensão incompreensível para meros mortais. Creio que a experiência de João em Patmos oferece uma explicação sobre como isso ocorre; note que antes de entrar em visão em Apo. 4:1, João vê uma porta se abrir no céu e é chamado por Jesus a entrar por ela. A entrada às sala do trono de Deus se dá pelo Espírito (v. 2), mas a porta ou ponto de acesso entre as duas dimensões aparece antes de ele ser arrebatado.
A conclusão a que chegamos nesse ponto do estudo é que o conhecimento actual de astronomia a priori descarta a inclusão de uma estrutura cósmica extremamente remota no abalo dos poderes do céu por ocasião da vinda de Cristo; segundo a Bíblia, esse abalo deve impactar somente a esfera terrestre (Sol, Lua, estrelas cadentes e a atmosfera Terra).
Revendo a Visão
Vamos retornar brevemente à primeira visão dos planetas em 1846. Neste período do movimento Adventista (década de 1840), Bates e o casal White passaram muito tempo juntos como pioneiros adventistas. Como astrónomo amador, Bates já havia mostrado seu entusiasmo pelo assunto perante seus irmãos mileritas.[15] É muito provável então que Bates tenha compartilhado com Ellen White os seus estudos de astronomia e sua convicção de que Órion era de fato os "céus que se abrem" da Bíblia e da sua visão. Esse detalhe provavelmente explica porque dois anos depois, em 1848 ela interpreta a visão do "espaço aberto" no céu durante a vinda de Cristo como sendo Órion. Digno de nota também é o fato de que Ellen White frequentemente prefere a expressão "opening heavens" segundo José Bates para descrever o que na Bíblia, versão King James, é "heaven open".
Um pouco mais do pano de fundo histórico confirma que após 1844, alguns mileritas ensinavam que o abalo das potestades do céu não se referia ao nosso céu literal, mas simbolizavam as nações da Europa. O editor da revista milerita Day Star desafia: "Por que fitais os olhos ao céu; podeis discernir de onde Jesus está voltando?" Em parte, Bates escreveu seu panfleto sobre o "espaço aberto" em Órion por onde Jesus virá para refutá-los.[16] É interessante que Ellen White se une a Bates contra esse erro confirmando que o que ela viu em visão acontece literalmente na atmosfera terrestre: "Nuvens negras e densas subiam e chocavam-se entre si. A atmosfera abriu-se e recuou." Descrevendo a mesma cena em 1847, ela substitui "atmosfera" por "céus agitados", o que confirma que são os céus terrestres (e não uma suposta atmosfera em Órion).
Portanto, tudo indica que a referência a Órion em 1848 era a interpretação de Ellen White da visão e não a visão em si. Essa é uma distinção crucial para se entender a revelação profética. Geralmente, o profeta recebe uma visão e só às vezes recebe ajuda para interpretá-la, como no caso de João (Apo. 17) e Daniel (Dan. 8). Na maioria dos casos, porém, a interpretação fica por conta do profeta ou dos leitores/ouvintes. Nesse caso, não temos evidência inequívoca de que Deus revelou-lhe de maneira específica e literal que o "espaço aberto" era a nebulosa de Órion, já que ela descreve a mesma cena outras vezes sem mencioná-la, como, por exemplo, na visão da mesma cena de 1847.[18] Além disso, a menção da Cidade Santa na descrição da visão é um parêntese na fala e confirma que Ellen White está em realidade interpretando a visão, haja vista que, enquanto a visão em si trata dos eventos durante a Segunda Vinda de Cristo, a Cidade Santa só descerá após o Milénio (Apo. 21) e não poderia estar descendo durante a vinda de Cristo.
Como vimos acima, Bates foi o primeiro a concluir que Órion era a porta do Céu e que a Cidade Santa desceria por ali. Há portanto, fortes evidências de que isso influenciou Ellen White naquele momento da sua experiência. No entanto, o entendimento da visão aumentou com o tempo, ajudado por outras visões semelhantes, razão pela qual Ellen White citou Órion uma única vez e não o fez posteriormente. Ao descrever a mesma cena no livro Spiritual Gifts, vol. 1, p. 205, publicado em 1858, Ellen White descarta Órion da interpretação e repete termos que usou em 1847 para descrever a vinda de Cristo por um "espaço claro de glória." A mesma terminologia é usada no livro O Grande Conflito (edições de 1888 e 1911), considerado o relato final de Ellen White sobre os eventos finais, onde ela descreve a mesma cena novamente sem a menção de Órion:
Nuvens negras e pesadas sobem e chocam-se umas nas outras. Em meio dos céus agitados, acha-se um espaço claro de glória indescritível, donde vem a voz de Deus como o som de muitas águas, dizendo: "Está feito." Apoc. 16:17. (GC 636).
Ellen White poderia ter incluído Órion na descrição do Grande Conflito mas não o fez, obviamente porque o suposto "espaço aberto" que em 1848 ela entendeu como Órion através de José Bates, agora deu lugar ao "espaço claro de glória indescritível". Note a diferença entre espaço "aberto" e espaço "claro"; parece que ela procura criar uma distinção entre sua interpretação anterior que tinha relação com o "espaço aberto" de Órion.
Torna-se, portanto, evidente que a influência dos estudos de José Bates sobre a relação entre teologia e astronomia oferece a explicação mais plausível para a menção de Órion na interpretação da visão do "espaço aberto" em 1848. Vários estudiosos adventistas têm chegado à mesma conclusão. Kheon Yigu realizou uma pesquisa pela Universidade Sahmyook em que analisou o desenvolvimento da relevância de Órion para os Adventistas e também conclui que a menção posterior do "espaço claro" no Grande Conflito deve substituir Órion.[18] Martin Carey cita o fato de que já em 1864, o astrónomo Huggins focalizou seu telescópio para Órion e descobriu que a suposta "abertura" não passava de gases e poeira cósmica.[19] Os Drs. M. Sprengel e D. Martz, ambos professores de ciências no Pacific Union College analisam numa série de 3 artigos na Revista Adventista[20] (Review and Herald) a citação de Órion e como o entendimento dos astrónomos foi aumentando através dos avanços da ciência. Eles concluem que a comparação do "espaço aberto" com Órion é fruto da influência de José Bates.
A Dinâmica da Revelação
Em um artigo que analisa o entendimento gradual por Ellen White das suas visões, os depositários do White Estate concluem:
A jovem Ellen, aparentemente não entendeu completamente todas as implicações das suas primeiras visões. Ela teve que operar dentro da mentalidade do seu tempo, bem como dentro da capacidade mental de uma adolescente. Dessa forma, assimilar tudo o que compunha suas primeiras visões levaria tempo para a jovem Ellen, assim como levou tempo para seus contemporâneos.[21]
Nas palavras da própria Ellen White:
Com frequência me são dadas representações que a princípio eu não compreendo, mas depois de algum tempo elas se tornam claras pela reiterada apresentação dessas coisas que a princípio eu não entendi, e de certas maneiras que fazem com que o seu significado seja claro e inconfundível. (Carta 329, 1904; ME 3, 56).
Essa progressão do entendimento da revelação faz parte de um princípio articulado por Ellen White ao dizer que Deus revelou-se aos seres humanos levando em conta seu contexto e o momento de sua experiência:
...à medida que Deus, em Sua providência, via apropriada ocasião para impressionar o homem nos vários tempos e diversos lugares ... a fim de chegar aos homens onde eles se encontram... na linguagem dos homens. (ME 1, 19, 20).
Isso significa que Deus leva em consideração a capacidade do profeta de assimilar ou não o que ele está revelando enquanto permite conceitos e pressuposições locais do profeta como elementos periféricos para "emoldurar", por assim dizer, verdades mais profundas. A moldura é um detalhe somente, a verdade revelada é axiomática e absoluta. O teólogo adventista Alden Thompson descreve esse princípio revelador assim: "Os limites de tempo e circunstâncias, cultura e conhecimento humano, estabelecem os marcos dentro dos quais a revelação pode ser eficaz. ... O bom ensino sempre envolve ilustrações eficazes, que são concretas, compreensíveis, adaptadas para as necessidades do estudante. Elas apontam para a verdade mas não devem ser confundidas com a verdade."[22]
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Imagem de Órion que se assemelha aos "céus que se abrem" de José Bates. |
Como vemos esse princípio na Bíblia? Por exemplo, Moisés classificou o coelho como um animal ruminante (Lev. 11:6), hoje sabemos que ele não é. Isaías disse que a Terra tinha "quatro cantos" (Isa. 11:12).[23] João, além de citar os mesmos quatro cantos (Ap. 7:1), descreve a Nova Jerusalém cercada de um muro e portas, algo que reflete a estrutura da Jerusalém que ele conhecia no primeiro século. Jesus disse que, como sinal da proximidade da Sua Vinda, "as estrelas cairão do céu" (Mar. 13:25); hoje sabemos que não é possível uma estrela cair para a Terra, ele só poderia estar se referindo ao que conhecemos hoje como meteoritos e não a estrelas de verdade.
Como vemos esse princípio na menção de Órion por Ellen White ao interpretar a visão de 1848? Deus mostrou a ela que Júpiter tinha 4 luas (conhecimento corrente da época) enquanto hoje sabemos que Júpiter tem 63 luas! Saturno tinha 7 luas, novamente referindo-se ao conhecimento da época, enquanto hoje sabemos que Saturno tem 60 luas! É claro que Bates não acreditaria nela se ela dissesse que Saturno na verdade tinha 60 luas.[24] No livro Educação, Ellen White diz que as estrelas refletem a luz solar (Ed 14); hoje sabemos que estrelas possuem luz própria. Sendo assim, Ellen White estava convencida de que "espaço aberto" de Órion, que José Bates defendia inclusive pela Bíblia como sendo a porta do céu, era de fato o ponto no céu por onde Cristo passará, de onde vinha voz de Deus e por onde a Cidade Santa vai descer após o Milénio. Essa suposta "abertura" que eles pensavam existir na época era o melhor exemplo de uma entrada para o Céu onde Deus e Seus anjos estão. Esse era o entendimento que ela tivera da visão em seu contexto e em suas limitações na época, haja vista que não temos evidência que Deus revelou-lhe que o espaço aberto era Órion especificamente. Órion era relevante para eles naquele momento; hoje sabemos que essa suposta "abertura" em Órion não existe, ela não se abre para nenhuma região mais iluminada do Cosmos, como se fosse a porta do Céu. Órion é uma nebulosa como qualquer outra, cheia de gases, estrelas e poeira cósmica. Por outro lado, a título de consistência, insistir no "espaço aberto" em Órion implica defender não só que Júpiter só tem 4 luas, mas que a Terra tem quatro cantos e que as estrelas cairão do céu.
Vale a pena também relembrar um outro princípio de interpretação do Espírito de Profecia articulado por Ellen White que trata de levar em conta o "tempo e lugar" dos textos, veja: “Quanto aos testemunhos ... o tempo e o lugar, porém, têm que ser considerados."[25] Sem dúvida o "tempo e lugar" da visão de 1848 justificaram o uso de Órion, algo que foi substituído posteriormente pela expressão genérica "espaço claro" que em nada diminui o sentido da visão já que ele não é o centro da visão, a descrição do retorno de Jesus é.
Finalmente, o uso de fontes e a influência de outros autores nos escritos de Ellen White em questões não essenciais são exemplificados no processo pelo qual passou a primeira edição do Grande Conflito (1888). Na sua segunda edição em 1911, o livro passou por uma revisão para corrigir algumas discrepâncias históricas. Esse processo foi liderado e impulsionado pela própria Ellen White: "Quando me chegou a atenção que o livro o Grande Conflito deveria ser reimpresso, decidi que teríamos que examinar tudo minuciosamente a fim de estabelecer se as verdades ali contidas foram expressas na melhor maneira possível e para convencer aqueles que não são da nossa fé que o Senhor me guiou e susteve ao escrever essas páginas."[26] (O referido artigo do White Estate explica as revisões.)
Fica evidente então o fato já delineado anteriormente que Ellen White não recebeu inspiração verbal. Ela teve visões em estilo de imagens estáticas rápidas[27] e precisou interpretá-las e descrevê-las em sua própria linguagem como as havia entendido naquele momento. Em muitos casos ela também se valeu da linguagem de outros autores da época para expressar os pontos essenciais das visões. Com o passar dos anos, o Espírito Santo a fez entender essa visão (bem como outras visões) de maneira diferente, através de repetidas representações, o que posteriormente ela descreveu no livro Spiritual Gifts em 1858 e no Grande Conflito em 1888 sem citar Órion.
Conclusão
Ellen White interpretou o "espaço aberto" no céu como Órion somente em 1848 porque isso era o melhor que ela (através dos estudos de José Bates) conhecia sobre a relação entre astronomia e a Bíblia. Ao descrever a mesma cena no livro Spiritual Gifts, vol. 1, p. 205 (1858), Ellen White descarta Órion da interpretação e repete termos que usou em 1847 para descrever a vinda de Cristo por um "espaço claro de glória indescritível." A mesma terminologia é usada na primeira edição do Grande Conflito em 1888. Para todos os efeitos, Órion deixou de ter qualquer relevância para os eventos finais na interpretação de Ellen White já em 1858.
O presente estudo evidencia a necessidade de entendermos a dinâmica da revelação nos escritos de Ellen White e aplicarmos princípios corretos de interpretação do Espírito de Profecia a fim de evitar interpretações extremas que levem ao sensacionalismo. Muitas especulações têm surgido através dos anos sobre o que estaria acontecendo em Órion, desde sons de trombetas, luzes inexplicáveis, sons de cavalos marchando ou até que as Três Marias estão se afastando para dar lugar à vinda de Cristo. Nada disso tem base em fatos concretos.[28] Infelizmente, essa passagem tem sido um prato cheio para alguns em nosso meio que tendem ao sensacionalismo. Sem dúvida o anseio pela vinda de Jesus é louvável. Porém, lembremo-nos que Jesus virá Segunda Vez porque Ele prometeu. Nossa fé não deve depender de cataclismos, de abalos, de nebulosas, de problemas do meio ambiente ou crises políticas e religiosas mas sim da crença firme na promessa de Jesus: "Virei outra vez". No dizer de Pedro: "Mas nós, segundo a sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra, em q¬ue habita a justiça." (2 Ped. 3:13).
André Reis
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[1] John Loughborough, The Rise and Progress of Seventh-day Adventists, p. 125-127.
[2] Ella Robinson, Histórias da Minha Avó, pp. 40-42.
[3] Tiago White comentando a visão baseia-se em Bates para dizer que ela viu "Júpiter, Saturno e um outro planeta." A Word to the Little Flock, p. 22.
[4] Veja Vida e Ensinos, p. 88.
[5] John Loughborough, The Rise and Progress of Seventh-day Adventists, p. 125-127.
[6] Veja Francis Nichols, Ellen White and her Cristics, pp. 91-101.
[7] O título todo é longo e diz: "Os Céus Que Se Abrem, ou uma Opinião Relacionada do Testemunhos dos Profetas e Apóstolos a Respeito dos Céus Abertos, Comparada a Observações Astronômicas em Relação à Presente e Futura Localização da Nova Jerusalém, o Paraíso de Deus."
[8] Agnes Clarke, A Popular History of Astronomy During the 19th Century, p. 22.
[9] Joseph Bates, The Opening Heavens, p. 8, 27; disponível em http://sdapillars.org/joseph_bates_p.php.
[10] Idem, p. 28.
[11] Joseph Bates, The Autobiography of Elder Joseph Bates, p. 154
[12] Ano-luz: distância percorrida pela luz durante 1 ano na velocidade de 300.000 kilômetros/segundo = 9,460,800,000,000 de kilômetros.
[13] Thomas Dick, LL. D., New York, Harper & Brothers, 82 Cliff-Street, 1844, pages 204-209.
[14] Duas perguntas adicionais exemplificam os problemas lógicos com a idéia de Órion ser a porta do Céu: (1) Se há necessidade de um ponto físico de acesso entre o a Terra e o Céu através do Cosmos (que, consequentemente estaria limitado por distâncias), não faria mais sentido então que esse ponto estivesse a uma distância mais "acessível" da Terra e não em uma constelação remota, a 1.500 anos luz de distância? (2) Por outro lado, se o Céu depende mesmo do Cosmos em termos de ponto de acesso ou localização, não faria mais sentido que esse corredor de acesso estivesse num ponto que sinalize o fim do universo conhecido e o início do Céu, já que haveria a necessidade de um ponto de "separação" entre os dois? Nesse caso, Órion não qualificaria como ponto extremo do universo, já que o telescópio Hubble foi capaz de captar a luz de galáxias a 13 bilhões de anos-luz de distância. Astrônomos têm proposto a idéia de túneis (wormholes) ou dobras na estrutura do universo que funcionam como uma espécie de atalhos entre um ponto e outro do universo.
[15] John Loughborough, The Rise and Progress of Seventh-day Adventists, p. 125-127.
[16] Veja Bates, "Opening Heavens", 11. Day Star citado por Bates sem referência.
[17] Veja Primeiros Escritos, p. 34.
[18] Kheon Yigu "Issues of the "Open Space in Orion" Presented in SDA Literature (1846-
1994)" Sahmyook University publicado online em
http://www.scribd.com/full/38023491?access_key=key-1cyqu447mw2m7pn6swpz
[19] Martin Carey, "The Opening Orion", publicado online em
http://lifeassuranceministries.org/proclamation/2009/3/openingorion.html
[20] Merton Sprengel e Dowell Martz, "Orion Revisited", Review and Herald, 25/3/1976, pp. 4-7; "How Open is Orion's Open Space?", Review and Herald, 01/04/1976, pp. 9-11; "Does the Open Space Exist Today?,"Review and Herald 08/04/1976, pp. 6-8.
[21] Ellen White’s Growth in Understanding Her Own Visions; disponível no site www.ellenwhite.com, Appendix G.
[22] Alden Thompson, Inspiration, p. 297.
[23] A palavra hebraica para canto significa literalmente "extremidade". A interpretação de "pontos cardeais" portanto, não prospera. A Terra, sendo redonda, nunca terá um ponto "extremo".
[24] Veja Herbert Douglass, Mensageira do Senhor, p. 113.
[25] Mensagens Escolhidas, vol. 1, p. 57.
[26] White Estate, "The 1911 Edition of "The Great Controversy"An Explanation of the Involvements of the 1911 Revision", p. 8, disponível em www.EllenWhite.com. Segundo o seu filho Willie White, ela considerava o Grande Conflito como uma "expansão dos temas publicados no livro Spiritual Gifts, vol. 1 (1858) e Primeiros Escritos. Ellen White, "W. W. PRESCOTT AND THE 1911 EDITION OF The Great Controversy", p. 1, disponível em www.EllenWhite.com.
[27] Mensagens Escolhidas, vol. 3, 447. Aqui a tradução em português deixou a desejar já que "flash-light pictures" em inglês (fotos rápidas com flash) foi traduzido como "rápidas visões". O sentido de "fotos" estáticas certamente se perdeu.
[28] Veja Yuri Mendes, Os Mistérios de Órion publicado pela Casa Publicadora Brasileira, 2008.