Justino veio de uma família não judaica de língua grega que vivia em Flávia Neápolis (Siquém) em Samaria (GRANT, Robert M. Greek Apologists of the Second Century. SCM, 1988), 50; MARTIR, Justino, 1 Apology 1.1; IN:ROBERTS, Alexander, DONALDSON, James, Ante-Nicene Fathers, VOL 1, pp.163). Ele escreveu sobre como procurou a verdade, dedicando-se a uma sucessão de escolas filosóficas: o estoicismo, o aristotelismo, pitagorismo e platonismo. (Dialogue, pp.195). Em toda sua busca, Justino não tinha se mostrado satisfeito, até que encontrou um homem idoso que caminhava na praia em Éfeso que demonstrou algumas falhas no sistema platônico que adotava.
Esse homem apresentou como o Antigo Testamento, escritos dos antigos profetas que vieram antes dos filósofos, apontava a vinda do Messias, mas isso ainda não o havia convencido. O que realmente impactou a vida de Justino foi a coragem dos mártires, que preferiam morrer a negar sua fé (Second Apology, 12.2; pp.192). Em suas palavras, Justino atestou que seu “espírito foi imediatamente posto no fogo e uma afeição pelos profetas e para aqueles que são amigos de Cristo” tomou conta do seu coração, e concluiu: “descobri que a única filosofia segura e útil” era a de Cristo. Isso aconteceu em cerca de 130 dC. Ainda vestindo sua roupagem filosófica, Justino dedicou sua vida a defesa do cristianismo ortodoxo contra seus adversários filosóficos.
Justino usava extensivamente a alegoria em seus escritos, mas era a alegoria dos rabinos palestinos ao invés de a alegoria Alexandrina de Filo. Dado que Justino nasceu em Samaria, isso não é realmente surpreendente. Para ele, a chave para se entender o Antigo Testamento era Cristo e sua interpretação cristocêntrica significava que o significado dos escritores originais foi considerado secundário.
É importante demonstrar esses dois aspectos da visão de Justino, pois muitos dos seus leitores mais tardios têm a tendência de não tê-lo em credibilidade em função de sua linguagem filosófica e/ou de sua visão interpretativa. Entretanto, devemos dizer que alguém com a formação de Justino, escrevendo contra adversário filosóficos, era de se esperar que usasse não apenas da filosofia, mas da mitologia que a cercava para defender a verdade cristã. É verdade que em alguns casos, as analogias e comparações de Justino não são adequadas, mas como um exemplo antigo de apologética da fé cristã.
A maioria dos estudiosos concorda que Justino foi prolixo, confuso, incoerente e muitas vezes não convincente em sua argumentação. No entanto, ele é uma figura importante na história da Igreja. Para ele, o cristianismo era, do ponto de vista teórico, a verdadeira filosofia, e, do ponto de vista da prática, uma nova lei de uma santa vida e morte. Justino argumenta o primeiro ponto de vista abertamente em suas Apologias, e o segundo em seu Diálogo com Trifo. Sobre a fé cristã, Justino escreveu:
“Nossas doutrinas são claramente mais sublimes do que qualquer ensinamento humano nesse aspecto: o Cristo que apareceu para nós seres humanos se tornou o ser racional completo, corpo e razão e alma. O que quer que os advogados ou filósofos tenham dito com propriedade, foi articulado mediante a descoberta e a reflexão relativa a algum aspecto do Logos. Entretanto, uma vez que eles não conheciam o Logos— que é Cristo — em sua totalidade, eles frequentemente se contradiziam” (Second Apology, 10, pp.191)
Sobre Cristo, a visão de Justino é claramente perpetrada pela visão neotestamentária de que Cristo é de fato Deus, e Justino se refere diretamente a esse fato cerca de 20x em toda sua obra. Segundo Justino, os cristãos adoram apenas a Deus, e defende que Jesus deva ser incluído nessa adoração, afinal é Deus feito homem e único Filho de Deus (First Apology, 17,4, pp.170). Ele atesta que Cristo é o Verbo de Deus e por isso é Deus mesmo (First Apology, 63, pp.184)
No Diálogo com Trifão, Justino afirma que Jesus Cristo é chamado de Deus e Senhor dos Exércitos (36, pp.212), que sempre foi Deus, mesmo antes da criação de todas as coisas (56, pp.223), a verdadeira palavra de sabedoria, o Deus gerado do Pai (61, pp.227) que merece ser adorado como Deus e Cristo (58, pp.225). Em sua primeira defesa da fé, Justino claramente atesta:
“Nós vamos provar que nós o adoramos racionalmente, pois aprendemos que ele é o verdadeiro Filho de Deus, Ele mesmo, que detém o segundo lugar, e o Espírito o terceiro. Por isso, eles nos acusam de loucura, dizendo que nós atribuímos a um homem crucificado o segundo lugar em reação ao Deus eterno e imutável, Criador de todas as coisas, mas eles ignoram o mistério que ai está” (First Apology, 13.5)
Esse cristão antigo também demonstra claramente ter conhecimento do evangelho segundo apresentado pelas escrituras, o que sugere mais uma vez que a expansão do cristianismo ocorreu rapidamente pelo mundo antigo e que é mais uma vez impossível que essa propagação se deva a uma invenção tardia da pessoa de Cristo.
Entretanto, à medida que nos aproximamos dos escritores cristãos, mais percebemos o peso do evangelho em sua cosmovisão e o fato de é impossível para eles considerar sobre a pessoa de Cristo sem vê-lo como Deus, Senhor e Salvador. Para os críticos, isso é evidência de que os cristãos antigos não estavam preocupados com sua historicidade, entretanto, o que os críticos não entendem é que não é possível separar historicidade de veracidade. A verdade sobre Cristo não o isenta da historicidade, na bem da verdade, Jesus Cristo é historicamente o que é verdadeiramente para os cristãos. Ou seja, a representação de Cristo como Deus e Senhor é diretamente relacionada com sua existência terrena e humana, de tal modo que são inseparáveis.