22/10/10

Como Ler Ellen White - Capítulo 3 "Ellen White e a Bíblia" (George Knight)

Um dos pontos que mais geram desentendimentos entre alguns membros da Igreja Adventistas é como ler correctamente Ellen White. Para muitos, ela é autoridade final em questões de prática cristã e interpretação bíblica. Cito o exemplo de dois escritores adventistas da Austrália que chegaram a considerar Ellen White a maior "profetisa de todos os tempos."

Na questão de interpretação bíblica, Ellen White é considerada como palavra final. Ou seja, se ela interpretou certa passagem de certa maneira, então devemos ignorar todas as outras interpretações. Vejam que Ellen White nunca sequer se arrogou a autoridade máxima em interpretação bíblica. Se assim fosse, ela estaria acima da própria Bíblia, podendo dizer exactamente o que ela significa. Até mesmo o White Estate, os depositários dos seus escritos concluíram que nos seus escritos só 2% podem ser considerados exegese bíblica. Isso sem dúvida lança luz sobre a possibilidade de outras leituras sobre interpretação profética do Apocalipse e escatologia por exemplo.

Enfim, são questões que precisam ser abordadas a fim de evitar o extremismo tão frenético que ciclicamente se levanta. Abaixo apresentamos uma seleção do capítulo 3 do livro "Como Ler Ellen White" do Dr. George Knight, professor emérito da Andrews University .

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Capítulo 3 - Ellen White e a Bíblia (pág.26-27)

"Todo cristão, em consequência, deve tomar a Bíblia como regra perfeita de fé e de conduta. Deve orar com fervor para ser socorrido pelo Espírito Santo em seu estudo das Escrituras, na busca de toda verdade e de todos os seus deveres. Ele não tem a liberdade de dela se desviar para descobrir seus deveres através de um dom de qualquer tipo. Dizemos que a partir do momento em que ele age assim, o cristão coloca os dons em um lugar errado e toma uma posição extremamente perigosa. A Palavra deve ser colocada em primeiro lugar e a Igreja deve fixar-se nela, como regra de conduta e fonte de sabedoria, a fim de aprender o que é seu dever ‘em toda boa obra’. Mas se uma parte da Igreja se afasta para longe das verdades da Bíblia e torna-se fraca, doente, e o rebanho se dispersa e pareça necessário a Deus empregar os dons do Espírito para corrigir, fortalecer e curar os afastados, devemos fazê-lo. (Review and Herald, 21 Abril 1851)

(...) em 1868, James White advertiu aos crentes que eles devem ‘deixar os dons no lugar que lhes é devido na Igreja. Deus nunca os colocou em primeiro lugar, ao nos orientar de considerá-los como um guia no caminho da verdade, como via para chegar ao céu. É Sua Palavra que Ele exaltou. A lâmpada, cuja luz clareia a marcha em direção ao reino é formada do Antigo e Novo Testamento. Sigam o Antigo e o Novo Testamento. Mas se vocês se afastarem para longe das verdades bíblicas e se vocês estiverem em perigo, é possível que Deus, em um momento de Sua escolha, vos corrija (por intermédio dos dons) e vos conduza à Bíblia.’ ( Review and Herald, 25 de Fevereiro 1868).

"Assim, vemos que James White estava de acordo com sua esposa sobre o lugar de seu dom espiritual em relação à Bíblia. Esta posição reflete também o consenso dos outros responsáveis da Igreja adventista no seu começo. Seria difícil ser mais claro sobre este assunto.

Neste momento reconheçamos que se Ellen White, seu marido e os outros responsáveis adventistas cressem que seu dom de profecia estava subordinado à Bíblia, isto não significava que eles estimassem que sua inspiração fosse de qualidade inferior aos dos escritores bíblicos. Ao contrário, eles pensavam que a mesma fonte de autoridade que falava aos profetas da Bíblia se exprimia através dela.

Encontramos aqui um bom equilíbrio. Mesmo se os adventistas consideram sua inspiração de origem também divina como as dos autores bíblicos, eles não lhe atribuirão o mesmo lugar. Ellen White e seus companheiros adventistas sustentaram que sua autoridade era derivada da autoridade da Bíblia e não podia então lhe ser igual.

Infelizmente, alguns não prestam atenção aos limites que Ellen White colocou em seus próprios escritos. Tais pessoas colocam em primeiro lugar suas idéias de maneira errônea, além do limite das Escrituras, por meio de métodos de interpretação deficientes (que serão examinadas mais à frente). Suas ideias ‘novas’ e ‘progressistas’ contradizem às vezes não somente a Bíblia, mas ultrapassam também os limites estabelecidos por Ellen White, quanto ao uso de seus escritos. Nossa única segurança é ler Ellen White dentro do quadro bíblico. Devemos ter cuidado para não empregar seus escritos para salientar ensinos que não são claramente enunciados pelas Escrituras. Devemos também nos lembrar que o que é necessário para a salvação está já presente na Bíblia.

"... é necessário examinar ainda uma questão. Certos adventistas têm visto em Ellen White um comentarista infalível da Bíblia, no sentido de que deveríamos empregar seus escritos para estabelecer o sentido das Escrituras. Assim, um dos mais importantes escritores adventistas escreveu na Review and Herald em 1946, que ‘os escritos de Ellen White representavam um grande comentário das Escrituras’. Ele chegou a declarar que eles não eram comparáveis a outros comentários no sentido de que eles eram ‘comentários inspirados, suscitados pela ação do Espírito Santo e (que) isto lhe dava uma categoria particular, bem acima de qualquer outro comentário’. (Review and Herald, 9 de Junho 1946).

Mesmo que Ellen White tenha afirmado escrever sob o ponto de vista privilegiado da luz do Espírito Santo, ela não pretendeu que deveríamos tomar os seus escritos como a última palavra do significado das Escrituras. A. T. Jones, ao contrário, num artigo publicado em 1894 sobre o objetivo das obras de Ellen White, considera-os como um intérprete ‘infalível’ da Bíblia. Ele argumentou que o bom uso dos escritos de Ellen White, implicava em ‘estudar a Bíblia através deles’. Tal abordagem, dizia ele, faria de nós ‘grandes conhecedores das Escrituras’ (The Home Missionary Extra, dezembro 1894). A sugestão de Jones serviu de linha de conduta para muitos adventistas do séc. XX.

É essencial reconhecer que Ellen White rejeitou o emprego das suas obras como um comentário infalível. (...)"

"São combates teológicos que dividiram os principais pensadores adventistas durante cerca de três décadas.

O conflito girava em torno da compreensão suposta das passagens bíblicas relativas a essas duas questões. Segundo alguns dos leitores, num testemunho escrito aproximadamente em 1850, ela teria definido a lei, nas epístolas aos Gálatas, como a lei cerimonial. Para essas pessoas, era a prova irrefutável da identificação da lei. Mas a solução apontada conhecia uma dificuldade. O testemunho em questão tinha sido perdido e então a “prova” estava longe de ser conclusiva.

A resposta de Ellen White a esta crise teológica é instrutiva. No dia 24 de Outubro de 1888, ela disse aos delegados divididos na sessão da Conferência Geral de Minneapolis, que a perda do testemunho no qual ela tinha alegadamente resolvido a questão de maneira definitiva, por volta do ano 1850, era providencial. “Deus, afirmou ela, tem aqui uma intenção. Ele quer que façamos referência à Bíblia para obter o testemunho das Escrituras.” (1888 Materials, 153). Por outras palavras, ela estava mais interessada nas afirmações bíblicas sobre o assunto do que pelas suas. Mas os delegados dispunham do livro escrito por ela, Sketches From the Life of Paul (1883), que parecia fixar definitivamente a aprovação sobre a interpretação da lei cerimonial.

"Qual foi a reação de Ellen White ao emprego de seus escritos? No mesmo dia, antes que alguém colocasse em primeiro lugar o argumento tirado do Sketch, ela declarou aos delegados: “Não posso tomar posição por uns ou por outros (sobre a questão de Gálatas), antes de ter estudado a questão.” (1888 Materials, 153) Em resumo, ela rejeitou a abordagem dos que quiseram servir-se dela como uma exegeta infalível. A essência da sua resposta global está na sua declaração aos delegados: “Se vocês sondarem as Escrituras de joelhos, então, vocês conhecerão e serão capazes de responder a quem quer que vos pergunte a razão da fé que está em vocês.”(Idem, 152)

Ellen White manteve a mesma posição vinte anos mais tarde, por ocasião de uma controvérsia sobre a definição do “diário”, em Daniel 8. Nesta disputa, os que defendiam a antiga interpretação pretendiam que a nova derrubava a teologia adventista, em razão do fato de que uma declaração de Ellen White, nos Primeiros Escritos, sustentava a compreensão tradicional. O chefe da fila dos que defendiam a antiga interpretação afirmava que uma mudança em relação a posição estabelecida minava a autoridade de Ellen White. Ele era muito explícito no seu ponto de vista sobre as relações dos escritos de E.G.Wite e a Bíblia. “Deveríamos compreender tais expressões com a ajuda do Espírito de Profecia [manifestado nos escritos de Eleen White]. [...] É neste sentido que o dom de profecia nos foi concedido. [...] todos os pontos devem ser resolvidos” desta maneira. (S.N.Haskell à W.W.Prescott, 15 de Novembro 1907)

"Ellen White mostrou-se em desacordo com o argumento. Ela pediu que os seus escritos “não sejam empregues” para resolver o problema. “Peço aos pastores H., I.,J. e outros membros dirigentes, de não se servirem de nenhuma maneira das minhas obras para sustentar as suas ideias concernentes ao “diário”. [...] Não posso de maneira nenhuma admitir que os meus escritos sejam invocados como dando a solução do problema. [...] Não recebi nenhuma instrução sobre este ponto doutrinário.” (Mensagens Escolhidas vol. 1, 193)

Assim nos dois debates sobre o “diário” e sobre a lei em Gálatas, Ellen White tomou posição para que os seus escritos não sejam empregues para estabelecer o sentido da Bíblia, como se ela fosse uma comentarista infalível."

Os que querem fazer de Ellen White uma comentarista infalível da Bíblia vão de encontro aos seus próprios conselhos e lançam por terra praticamente as suas palavras. Eles fazem dela a luz maior para explicar a luz menor que seria a Bíblia. Robert W. Olson, diretor aposentado do White Estate* (Fundação White) explica bem as dificuldades inerentes a abordagem que consiste em se apoiar sobre um comentarista infalível, quando ele escreve que: “dar a um indivíduo um controlo absoluto sobre a interpretação da Bíblia consistiria, praticamente, a elevar esta pessoa acima dela. Seria um erro permitir, mesmo ao apóstolo Paulo, de exercer um controlo sobre a explicação de todos os outros autores bíblicos. Num outro caso parecido Paulo, e não a Bíblia inteira, representaria a autoridade final.” (One hundred and One Questions, p.41). a nossa única segurança é autorizar os autores da Bíblia a falar por eles mesmos. O mesmo acontece para Ellen White. Leia cada autor por sua própria mensagem, no seu contexto.

Olson aponta uma questão importante quando ele nota que “os escritos de Ellen White são geralmente de natureza homilética ou são orientados em direção à evangelização. Eles não são de natureza estritamente exegética.” (idem). Howard Marshall traz aqui uma ajuda para discernir um pouco mais esta ideia, quando ele ressalta que “a exegese, é o estudo da Bíblia [...] para determinar com precisão o que diversos autores têm procurado dizer a quem se destinava suas mensagens”, enquanto que “o comentário é o estudo da Bíblia para determinar o que ela nos quer dizer.”(Biblical Inspiration, p. 95,96)

"Podemos perguntar: “Como isto se aplica às relações de Ellen White com a Bíblia?” Propomos o seguinte comentário: Ellen White direccionava os seus leitores para a Bíblia para que eles estudassem e descobrissem o que seus autores tinham a dizer (exegese). Mas, além disso, ela tinha o cuidado de aplicar os princípios das Escrituras ao seu tempo e ao seu lugar (comentário). Nos dois casos ela serviu, como ela própria dizia, como "uma luz menor para levar homens e mulheres à luz maior"(Colporteur Ministry 125).

Ela não queria dizer que ela tinha um grau de inspiração menos importante que os dos escritores bíblicos, mas que a função dos seus escritos era de conduzir as pessoas à Bíblia.

Tendo examinado o importante conselho de não fazer de EW uma comentarista infalível do significado das Escrituras e tendo reconhecido que ela se manifestou "geralmente" na ordem da homília (sermão) mais do que na exegese, é importante notar que de tempos em tempos, ela se manifestou sobre a exegese de um texto. Devemos determinar quais comentários são de natureza exegética, lendo estes comentários relacionados ao contexto específico de passagens da Bíblia em questão." Olson foi muito feliz ao escrever: "Antes de afirmar que EW interpreta um texto para os seus leitores de um ponto de vista exegético, deve-se estar previamente seguro de como ela utiliza o texto dado." (One Hundred and One Questions, p. 42).

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