Os médicos que tratam pacientes crónicos ou terminais ouvem sempre perguntar: “Porque isto aconteceu comigo?” Esta é uma pergunta impossível de responder, ela começa com um “porquê” e não “como”. O “Como” é respondido pela ciência, enquanto o “porque” parece procurar uma explicação religiosa.
Estou a ser alvo de forças que não posso controlar? Estou a ser punido por Deus por algo que eu fiz? Os Bem-intencionados confortadores podem oferecer as suas próprias respostas: “Deus está lhe ensinando alguma coisa”, ou “seja grato pelo que você está enfrentando uma vez que este é o método de Deus para purificar você no fogo purificador”. Essa empatia é mais ofensiva do que útil. E também reencarna a heresia que Jesus combateu em Seu ministério:
“E passando Jesus, viu um homem cego de nascença. Perguntaram-lhe os seus discípulos: Rabi, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego? Respondeu Jesus: Nem ele pecou nem seus pais; mas foi para que nele se manifestem as obras de Deus” (João 9:1-3). Jesus é claro: A
ninguém aqui está sendo “ensinada uma lição”.
ninguém aqui está sendo “ensinada uma lição”.
No funeral de um jovem pai um proeminente pastor sugeriu à viúva que ela “precisava aprender que Deus estava a tentar ensiná-la” através desta tragédia. Semanas depois, quando ela e eu nos sentamos para conversar, educadamente ela bociferou: “Eu sou tão burra que Deus tem que matar o meu marido para me ensinar alguma coisa?”
O nosso desejo de pensar que Deus está por trás de tudo o que acontece tem uma linha clara: Nós precisamos acreditar que Deus está “no controlo”, assumimos que o que nós fazemos causa o que acontece conosco. Se nós somos “bons”, nossas colheitas crescem e as nossas famílias são protegidas. Se somos “maus”, todas as apostas são encerradas, como se costuma dizer. Esta abordagem oferece algum conforto aos crentes. Se, pela nossa fidelidade ou a falta dela podemos agradar ou desagradar a Deus, temos um grau de controlo sobre o que nos acontece, alguma razão. A proteção de Deus é reservada para aqueles que a merecem. Mais pagão do que cristão este ponto de vista não deixa de ser atraente. O pensamento de que podem ocorrer eventos que Deus não controla ou que as imperfeições do comportamento humano podem causar tragédias é muito preocupante para muitos.
Alimentando tais atitudes, na minha opinião, estão algumas más-interpretações de determinadas promessas bíblicas de proteção. Por exemplo: “Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente na angústia. Pelo que não temeremos, ainda que a terra se mude, e ainda que os montes se projetem para o meio dos mares; ainda que as águas rujam e espumem, ainda que os montes se abalem pela sua braveza” (Salmo 46:1-3); “Mil poderão cair ao teu lado, e dez mil à tua direita; mas tu não serás atingido” (Salmo 91:7).
“não serás atingido” é pensado ser uma quase-garantia de que os crentes serão poupados dos prédios em ruínas do teremoto no Haiti ou dos ventos e inundações do Katrina. Se pensarmos que essas promessas se aplicam em todos os casos, o que podemos dizer para a mãe que geme: “Eu orei todos os dias pela segurança do meu filho, mas ele foi morto por um motorista bêbado”. Tais tragédias podem nos tentar a questionar a providência divina e o poder da oração.
Surpresas desagradáveis.
Devemos aceitar o fato de que a vida é cheia de surpresas desagradáveis. Nós planejamos um casamento feliz, mas ele acaba em um amargo divórcio. Nós oramos e planejamos por crianças saudáveis, mas todos os anos milhares de pais dão à luz bebês cujas deficiências criam um fardo ao longo da vida. Se aqueles que sofrem agarram-se à crença que Deus controla tudo o que lhes acontece, que estas coisas sempre estão de acordo com os planos de Deus, porque Deus planeja todas as coisas, elas são obrigadas a sentir que Deus as está alvejando, por algum propósito divino inescrutável. Um dos meus alunos declarou em sala de aula “Se Deus me envia uma doença debilitante, Ele deve ter uma razão, e eu devo tentar aprender qual é”.
A Bíblia não ensina que Deus envia danos ou bebês deficientes para certos pais para refiná-los através do sofrimento ou castigá-los por suas más ações. Um dia, ouvi um pregador de rádio dizer à sua congregação que haveria momentos em que Deus iria colocá-los no “fogo purificador”. Eles iriam pedir por ajuda divina, mas nenhuma viria. Deus iria deixá-los no fogo por um tempo até Seus propósitos para eles serem realizados. Em seguida, ele citou o seguinte trecho para apoiar a sua visão:
“Filho meu, não desprezes a correção do Senhor, nem te desanimes quando por ele és repreendido; pois o Senhor corrige ao que ama, e açoita a todo o que recebe por filho. É para disciplina que sofreis; Deus vos trata como a filhos; pois qual é o filho a quem o pai não corrija? Mas, se estais sem disciplina, da qual todos se têm tornado participantes, sois então bastardos, e não filhos. Além disto, tivemos nossos pais segundo a carne, para nos corrigirem, e os olhavamos com respeito; não nos sujeitaremos muito mais ao Pai dos espíritos, e viveremos? Pois aqueles por pouco tempo nos corrigiam como bem lhes parecia, mas este, para nosso proveito, para sermos participantes da sua santidade. Na verdade, nenhuma correção parece no momento ser motivo de gozo, porém de tristeza; mas depois produz um fruto pacífico de justiça nos que por ele têm sido exercitados” (Hebreus 12:5-11).
Devemos concluir a partir destes versos e das declarações do pregador que todas as experiências dolorosas são parte da disciplina de Deus para nós, pessoalmente ou coletivamente? A metáfora primária na passagem de Hebreus é a parentalidade e o disciplinamento das crianças. O princípio central de tal ensino é que ele está conectado especificamente ao comportamento ou defeito de caráter que preocupa o pai. Além disso, o contexto da passagem refere-se a resistir ao pecado, como fez Jesus. O escritor está nos exortando a sermos testemunhas fiéis da obra redentora de Deus em Cristo, mesmo quando confrontados com a perseguição. Sofrer por amor do evangelho fortalece-nos no serviço e nos disciplina para os desafios ainda não enfrentados. Estamos endurecidos, no bom sentido do termo, contra o medo paralisante quando proclamamos a salvação de Deus para o mundo. Isso é muito diferente de argumentar que o tumor do cérebro do meu filho ou o meu câncer do fígado é uma disciplina de Deus que eu deveria dar as boas-vindas.
É todo sofrimento uma correção?
Quando Jesus chamou Seus discípulos, Ele os avisou que teriam de enfrentar a perseguição e o sofrimento físico para a proclamação do evangelho. Ele não disse que todo e qualquer sofrimento que experimentariam indicaria “disciplina” de Deus para eles. Sofrer por amor do evangelho certamente refina nosso caráter e fortalecer-nos na obediência. Nós não estamos sendo punidos para sermos purificados; somos purificados porque somos perseguidos por causa de Cristo.
Ainda assim, muitos cristãos se sentem mais confortáveis procurando dentro deles a resposta de seu sofrimento “Deus não pode fazer nada errado, portanto eu devo ter feito algo de errado para este infortúnio me atacar”.
Tal pensamento é semelhante a um padrão psicológico descrito em crianças vítimas de abusos que sofrem nas mãos de seus pais. Elas quase sempre assumem que provocaram o abuso sobre elas. Eu suspeito que de uma forma semelhante, é mais fácil pensar que Deus “envia” o sofrimento ou porque nós o mereçamos ou porque ele faz parte do “plano” de Deus para nossas vidas, do que pensar que estamos à mercê de uma existência um pouco aleatória. Queremos sentir que Deus é sempre responsável por tudo o que acontece em nossas vidas. Se isso não é verdade, então não podemos encontrar um significado em nosso sofrimento, mas eu vou argumentar que podemos dar sentido ao nosso sofrimento.
A melhor maneira de entender tudo isso, creio eu, não é dizer: “Esta tragédia é uma parte do plano de Deus”, mas sim: “Agora que isso aconteceu, Deus tem um plano.” Se por minha própria imprudência ou algum acidente trágico acabo um tetraplégico, minhas esperanças (e esperança em Deus) para a minha vida não vão acabar, mas serão drasticamente alteradas. Deus tarabalhará comigo e com minha família para nos ajudar a reconstruir a história da minha vida. Porque isso aconteceu, Deus me ajudará a desenvolver um plano e dar sentido à minha nova realidade.
Quando atingido pela doença de Parkinson, o ator Michael J. Fox lutou para encontrar significado em seu infortúnio. Sua cruzada contra esta terrível doença tornou sua família mais unida e resultou através de sua fundação, na disponibilização de mais fundos para a pesquisa de Parkinson do que qualquer outra no mundo! Ele reformulou os pedaços quebrados de sua vida em algo esplêndido. Em sua autobiografia ele insiste que não iria querer voltar a ser a pessoa que era antes do Parkinson o ferir. O sofrimento, segundo ele, o mudou para melhor. Devemos então concluir que Deus enviou a doença a ele, a fim de mudar sua vida e melhorar as perspectivas de cura do mal de parkinson? Fox não acredito nisso. Ele acredita (como eu) que ele foi vítima de forças que não o tinham como alvo.
Significado na Oração.
Quer isto dizer que as orações por proteção ou cura são sem sentido? Nem um pouco. Deus pode e responde tais orações, mas não devemos nos fiar nelas para a cura ou proteção de todas as contingências. Podemos sempre contar com a presença amorosa e reconfortante de Deus para estar conosco, às vezes através de entes queridos e fiéis companheiros, às vezes em momentos de silêncio que acalentamos durante a oração e a meditação. Podemos ser curados da insignificância, autopiedade, solidão e frustração quando ficamos diante de um novo futuro. Os adventistas nunca acreditaram que temos garantias nesta vida que nos impeça de sofrer ou morrer. Nossa garantia está no futuro, quando tudo o que nos aterroriza agora será para sempre banido. “Quanto tempo devo viver” ou “Será possível que agora eu tenha uma vida normal?” não são pergunstas adequadas para os cristãs fazerem, a pergunta adequada, como a professora Margaret Mohrmann da faculdade de Medicina da Virgínia tão bem coloca, é: “Como eu vou viver a vida que eu tenho?” – isto é, a vida que Deus vai nos ajudar a viver ao máximo, independentemente dos obstáculos que enfrentamos.
Dentro do Plano de Deus.
Enquanto Deus não planeja tudo o que acontece, nada do que acontece está fora do plano de Deus. Nenhum script divino está programando nossos dias. Liberdade (e, em grande medida, contingência), definem a vida humana. O “Plano” de Deus pode ser resumido como seu desejo primordial de que cada um de nós faça escolhas em harmonia com o amor e a verdade, e que exercitemos nossa liberdade corajosamente a fim de que possamos desfrutar de mais liberdade ainda.
Deus não precisa enviar o sofrimento para nos ensinar uma lição, porque Ele sabe que o sofrimento vai nos encontrar, não importa o que fazemos para evitá-lo. Não importa o que nos acontece, o plano final de Deus para nós não pode ser frustrado, o plano de Deus é restaurar-nos à vida novamente. Quando o apóstolo Paulo diz:”E sabemos que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Romanos 8:28), Ele não está dizendo que tudo que nos acontece é bom porque Deus o enviou para a nossa edificação. Ele está dizendo que porque nós amamos e somos amados por Deus, todas as coisas, mesmo as tragédias têm o potencial para tecer uma teia de significado e bênção para nossas vidas. A sabedoria e o poder de Deus transformará a desordem em nossas vidas de forma que irá restaurar a nossa confiança de que tudo está em Suas mãos.
Texto de autoria de James J. Londis publicado na Adventist Review de 16 de setembro de 2010. Crédito da Tradução: Blog Sétimo Dia http://setimodia.wordpress.com/
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