O que é a Trindade?
Na Bíblia não existe declaração explícita nenhuma sobre Deus
em essência e Sua natureza ou, ainda, como subsiste em três Pessoas. Nem mesmo
o termo “Trindade” aparece no texto (por isso, muitos teólogos – e Ellen White
– preferem chamar de doutrina da “Divindade” em vez de “Trindade”). Contudo,
essa doutrina é fundamental para o cristianismo, pois considera e determina o
Deus em quem professamos fé.
É certo que existem muitas passagens que comprovam de forma
determinante a doutrina, como veremos a seguir.
Entretanto, temos que reconhecer nossa limitação óbvia: por
sermos criaturas em estado decaído, é impossível termos uma compreensão clara e
definida sobre a natureza de Deus. Como Ele é e qual é Sua essência, são
tópicos que não podem ser captados de forma integral pela nossa mente. É como a
seguinte ilustração atribuída a Agostinho:
Agostinho observou que, numa praia ao Norte da África, um
garoto havia feito um buraco na areia. Com uma pequena cabaça nas mãos, corria
até o mar, enchia o recipiente e, de volta, despejava a água no buraco.
Como o garoto repetisse a operação dezenas de vezes,
curioso, Agostinho aproximou-se dele e perguntou: “O que você está fazendo?”
Para a surpresa do teólogo, o garoto simplesmente respondeu:
“Estou tentando colocar todo o mar neste buraco na areia!”
Como não podemos compreender totalmente a estrutura da
Trindade, alguns têm rejeitado sua existência, o que não está, em absoluto, de
acordo com a revelação bíblica. Deus existe e Sua natureza é trinitária.
Diante dessas limitações, nossa abordagem sobre Deus deve se
limitar ao estudo de como Ele atua, como Se relaciona conosco e como devemos
nos aproximar dEle. São esses os questionamentos sérios nos quais devíamos nos
deter.
Além disso, temos que observar a natureza da revelação
bíblica: A Bíblia não é um compêndio sobre a natureza e o caráter de Deus. Seu
propósito é revelar o plano salvífico de Deus para com a humanidade caída e
como devemos nos relacionar com Ele (e esse objetivo é muito bem explícito).
Contudo, nessa revelação aparecem evidências implícitas da natureza da
divindade – Três Seres divinos.
Todos os credos ortodoxos da cristandade têm referência
clara e objetiva quanto aos Seres que compõem a Trindade.
Credo Apostólico (c. 120): “Creio em Deus Pai todo
poderoso... E em Jesus Cristo, Seu único Filho, nosso Senhor, que foi concebido
pelo Espírito Santo... Creio no Espírito Santo...”
Credos pessoais que atestam a Trindade: Irineu (c. 190);
Tertuliano (c. 200); Hipólito (c. 215); Marcellus (c. 340); Rufinus (c. 404).
Credo de Niceia (325); Constantinopla (381); Confissão de
Augsburg (1530); 2ª Confissão Helvética (1566); Confissão de Westminster
(1646), etc.
A Crença Fundamental 2 da IASD: “Há um só Deus: Pai, Filho e
Espírito Santo, uma unidade de três Pessoas coeternas. Deus é imortal,
onipotente, onisciente, acima de tudo e sempre presente. Ele é infinito e está
além da compreensão humana, mas é conhecido por meio de Sua autorrevelação.
Para sempre é digno de culto, adoração e serviço por parte de toda a criação.”
Os ASD possuem uma compreensão única a respeito da
divindade. Colocamos em equilíbrio os Seres da Trindade. Quais são as
principais razões para termos esta compreensão? É certo que cada tópico das
lições deste trimestre vai abordar aspectos dessa compreensão singular, mas os
principais são:
A IASD é o único movimento religioso que considera a
revelação como um todo, isto é, aceitamos a Bíblia como um todo, de Gênesis a
Apocalipse.
Temos o entendimento do pano de fundo filosófico das
Escrituras: o drama do grande conflito.
Diferentes entendimentos com respeito à divindade – Aqui
estão listadas as principais concepções acerca de Deus na história do
cristianismo.
Deus é totalmente transcendente: Ele está tão distante que
não Se importa com a humanidade (ex.: deísmo).
Deus por natureza está dissociado de tempo e espaço (sem
movimento). É um Ser essencialmente metafísico:
Esta é uma imposição filosófica dentro do cristianismo a
partir do 2º séc. A partir daqui, a tradição filosófica passou a determinar a
teologia. Por isso, muitos erros doutrinários foram introduzidos no
cristianismo.
Assim, Deus é totalmente outro, centrado em Si mesmo,
necessitando de agentes que efetivem Sua comunicação com a humanidade (ex.:
Maria, santos, etc.).
Ressalta a natureza punitiva da divindade, Sua justiça
castiga os que erram.
Este Deus possui características deterministas, como se
observa na teologia de Agostinho (Confissões 11:14-16), Lutero e Calvino.
Deus é totalmente imanente:
Panteísmo: identifica o Universo com Deus.
Panenteísmo: Deus inclui e penetra todo o Universo de tal
maneira que cada uma de suas partes existe nEle. Seu ser é mais que o universo.
Um exemplo desse tipo de pensamento é Paul Tillich (teólogo
moderno com maior influência na teologia evangélica no Brasil): Deus não
“existe”, porque existência é uma categoria de dependência. Um deus que
“existe” é simplesmente outro ser, ao nosso nível. Assim, Deus não é um ser,
mas o poder de ser, que está dentro de cada ser, habilitando-o a existir e sem
ele cessaria de existir.
Deus é totalmente identificado com a história. Deus não é um
ser que atua, que intervém na história, mas é uma realidade intra-histórica; os
atos salvíficos de Deus na história vão formando Seu ser. Assim, não existe
revelação objetiva (Bíblia), mas a própria história é a autorrevelação de Deus
(ex.: teologia do processo, teologia da libertação, teologia da esperança,
etc.).
Deus vai “construindo” Seu conhecimento “futuro” através de
suas ações na história. Um exemplo desse pensamento é encontrado em Richard
Rice, The Openness of God. Para ele, existência e conhecimento vêm através da
experiência: “Nem tudo que irá acontecer está já determinado. Uma parte
significativa do futuro permanece ainda por ser decidida. A parte ainda aberta
consiste das decisões livres a ser tomadas no futuro tanto pelas criaturas como
por Deus” (p. 26). Sobre esse Conhecimento Antecipado e Liberdade Humana, ver
Nisto Cremos, p. 40.
Deus está tão próximo de mim, habita no ser humano a ponto
de ser manipulado (ex.: pentecostais manipulando o Espírito Santo).
Visão bíblica: Deus é um ser pessoal, movido pelo amor. O
melhor, então, não é discuti-Lo em termos de transcendência ou imanência
(físico ou metafísico) como fazem muitas tradições teológicas dentro do
cristianismo, mas em termos do que é visível e invisível, compreensível, ou
além de nossa capacidade, como o faz a própria Bíblia. É o Deus que atua na
história e está identificado ao tempo e espaço por Jesus Cristo.
Se tivermos a ideia de um Deus com características de um
avô, este será extremamente permissivo, colocando em risco a compreensão de Sua
justiça.
Por outro lado, se consideramos Deus como um padrasto
vingativo, dificilmente se poderá entender Seu amor para conosco.
Assim, é significativo que tenhamos uma compreensão
equilibrada acerca de Deus em Sua autorrevelação, especialmente nas Escrituras.
A razão desacompanhada da Bíblia jamais poderá captar a plenitude de um Deus
que deseja salvar a humanidade.
Unidade da Divindade: Há um só Deus; o cristianismo não é
politeísta (não são três deuses).
Êx 3:13-15 – EU SOU O QUE SOU. Esse texto marca o encontro
mais objetivo da divindade com um ser humano.
Deus declara o Seu nome: Eu Sou.
Alguns chegam a “ver” a Trindade nesse verso, com referência
às expressões Deus de Abraão, Isaque, e Jacó. Contudo, essa relação não deve
ser levada a sério.
Dt 6:4-7 – Aqui está o famoso Shemah que é parte do culto
nas sinagogas até hoje. Para os judeus, com seu monoteísmo radical, esses
versos são prova da impossibilidade da Trindade. Mas, o assunto aqui não é uma
exposição sobre a natureza de Deus. Temos que admitir que no Shemah, a unidade
(“único Deus”) da divindade aparece na relação de contraste entre o Deus
verdadeiro e os outros deuses, os deuses das outras nações. Essa é a consistência
presente nos primeiros quatro mandamentos (Êx 20:3-11), em especial o 1º
mandamento (que é o mandamento determinante de todos os outros). Assim, esses
versos não são uma afirmação de monoteísmo radical como possa aparentar
superficialmente. Além disso, como o próprio texto da Lição (comentário da
pergunta 2) expõe, o termo usado aqui para definir essa “unidade” é o termo
echad, usado também em Génesis 2:24 para determinar o estado do ser humano no
casamento, onde marido e mulher, mesmo sendo duas pessoas, tornam-se uma, isto
é, admite a ideia de pluralidade. Há no hebraico, contudo, o termo yashid –
“único da espécie”. Essa expressão realmente estabelece o caráter único de um
ser, rejeitando qualquer ideia de pluralidade, como no caso de Isaque, único
filho da promessa. Devemos ter em mente, entretanto, que essa não é a expressão
usada no Shemah.
Tg 2:19 – Até os demónios crêem que Deus é um e tremem (será
que a constatação de tal realidade também nos faz tremer?)
1 Co 8:4-6 – “Há somente um único Deus” em contraste com
muitos. Em contrapartida, esse verso apresenta Cristo como Deus (v. 6), em
relação de igualdade com o Pai:
Deus Pai – (a) “de quem são todas as coisas” e (b) “para
quem existimos”;
Senhor Jesus Cristo – (a) “pelo qual são todas as coisas” e
(b) “e nós por meio dEle”;
Nota-se nesse verso o que observamos em muitos outros: Deus
é um em ação e propósito e é trino em exercer funções.
1Tm 2:5-6 – “Há um só Deus e mediador”. Literalmente: “há um
Deus e também um mediador de Deus e do homem, Jesus Cristo homem”: unidade da
divindade (no verso 3 Deus é salvador) em ação; mediação é função de Cristo
apenas.
1Jo 5:7 – Esse verso é conhecido como “Comma Joanina” (ARC e
na ARA 2ª Ed. aparece entre colchetes). Surgiu em manuscritos latinos por volta
de 800 DC, e foi incorporado ao texto oficial da Igreja Católica (a Vulgata).
De origem obscura, parece ter aparecido na Espanha ou Norte da África, por
possíveis pressões arianas. Como esse verso não está no original, esse texto
não deve ser usado como prova da Trindade.
Deidade ou Divindade
Inúmeros textos revelam a deidade do Pai. Não há discussão
alguma quanto à divindade do Pai. Contudo, devemos ter um equilíbrio na
compreensão do Pai.
Alguns colocam uma ênfase exagerada na justiça em detrimento
do amor.
Outros O vêem como alguém pronto a passar por cima nossos
erros e pecados. Dessa forma, a figura de Deus é compreendida num conceito de
“amor burro”, incapaz de expressar Sua vontade diante do pecado.
A visão correta de Deus como Pai nos leva ao equilíbrio: um
Deus de misericórdia – amor temperado com justiça.
Deidade de Cristo – Apenas alguns textos que estabelecem a
divindade de Jesus: 1Co 8:6; Fp 2:5-7 (mesmo morphe – “forma”de Deus); Hb 1:1-5
(apaugasma – “resplendor” que é de Deus), 8; Mc 2:8-10 (prerrogativa de perdoar
pecados); Jo 1:1-3; 5:18; 8:58; 10:30; 20:28; Rm 9:5; Cl 2:9; Tt 2:11-13; 2Pe
1:1; 1Jo 5:20 (ver capítulo 4 do livro Nisto Cremos).
Deidade do Espírito Santo: At 5:3-4 (identificação entre Deus e
o Espírito); Jo 16:7-11 (ver capítulo 5 do livro Nisto Cremos).
Deus é Triúno:
Gn 1:26 – “Disse Deus (Elohim plural de El e Elah, mas
emprega verbos no singular): façamos o homem à nossa imagem”. Aqui não existe
nenhuma possibilidade de plural de majestade.
Gn 11:7; 3:22 – Pronomes no plural. Às vezes, os verbos são
usados também na forma plural: ex.: “desçamos” demonstra a ação coletiva da
divindade.
Mt 28:19-20 – a fórmula batismal não possui problema de
transmissão do texto, embora alguns, por ignorância do estudo do texto grego,
afirmam que foi um acréscimo posterior. O batismo é um testemunho público da
aceitação de Deus (não só de Cristo, ou só do Espírito). O batismo cristão é
trinitariano.
2Co 13:13 (14) – Bênção trinitariana: amor do Pai, graça de
Cristo e a companhia do Espírito. Alguns vêem na bênção de Números 6:24-26 e a
tripla repetição do nome de Deus como uma evidência da Trindade.
1Pe 1:1-2 – Introdução trinitariana: escolhidos pelo Pai,
santificados pelo Espírito, para obediência em Cristo.
Mt 3:16-17 – batismo de Jesus: voz do Pai, Cristo na água e
o Espírito pairando em forma de pomba.
At 7:55 – visão de Estevão: cheio do Espírito, viu a glória
de Deus e Jesus estava à Sua direita (símbolo oriental de igualdade).
Is 6:3 – “santo, santo, santo”: alguns vêem nesse texto uma
declaração trinitariana, mas não podemos nos esquecer de que essa repetição é
típica do superlativo na língua hebraica.
No quadro abaixo mostramos alguns textos bíblicos que
indicam os atributos divinos em relação às três Pessoas da Divindade. Observe
que no último exemplo, o próprio nome de Deus (IHWH – JAVÉ) é usado em relação
aos Três Seres Divinos.
União em ação e
funções específicas
Toda a Trindade está envolvida no processo (ação conjunta)
de salvação do ser humano. Isso é evidente no santuário, no batismo, na
criação, na encarnação, na cruz, na igreja, na ressurreição, na oração, etc.
Cada Pessoa da divindade possui funções específicas nesse
projeto salvífico: ex.: foi Jesus quem encarnou e morreu na cruz. Numa mesma
ação, cada um exerce sua função: o Pai atua como fonte, o Filho como Mediador
(executor) e o Espírito como o Mantenedor (atualizador).
Não existe hierarquia na natureza da Trindade, mas pode
haver uma hierarquia funcional em termos do plano da salvação, como por
exemplo: o Pai é que dá o Filho e o Espírito procede tanto do Pai quanto do
Filho.
A Trindade é o “organismo” como a Divindade Se manifesta ao
ser humano.
“Em teologia, como em qualquer outra ciência, há necessidade
absoluta de alguns termos técnicos. Quando dizemos que há três Pessoas
distintas na Divindade, não queremos, com isso, dizer que cada uma dElas seja
separada da outra, como um ser humano está separado de todos os demais. Embora
se diga que se amam, se ouçam, orem uns aos outros, testifiquem uns dos outros,
não são, no entanto, independentes entre si; porque, como já dissemos,
autoexistência e interdependência são propriedades, não das pessoas
individuais, mas do Deus Triúno.” Boettner, The Trinity, 59.
Elementos essenciais à doutrina da Trindade
Todas as ações da Divindade são trinitarianas.
Devemos sempre começar com a unidade de Deus: O Senhor é o
único Deus. Deve-se evitar o monoteísmo radical.
A deidade do Pai, do Filho e do Espírito deve ser mantida.
Cada um é qualitativamente igual ao outro, sendo coexistentes e coessenciais.
O aspecto de “três” e o aspecto de “um” em Deus não se
referem à mesma coisa: três pessoas ou manifestações e uma essência, natureza e
propósito.
A Trindade é eterna. Não há um tempo em que só o Pai é Deus.
A Trindade sempre age em conjunto, nunca isoladamente: Uma
em ação.
Os membros da Trindade realizam funções diferentes que podem
evidenciar subordinação ou hierarquia, mas isso não significa inferioridade. No
plano da Redenção, o Filho procede do Pai e o Espírito procede tanto do Pai
como do Filho. Cada qual tem uma função definida a cumprir.
A Trindade é incompreensível à mente humana: só podemos
aceitar Sua existência, mas nunca explicá-la definitivamente.
Para um estudo mais cuidadoso sobre o tema, veja:
1.Comentários de Ellen G. White sobre a Lição da Escola
Sabatina, Casa Publicadora Brasileira
2.Nisto Cremos, Casa Publicadora Brasileira
3.A Trindade, Casa Publicadora Brasileira
4.Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia, Casa
Publicadora Brasileira
Sobre o autor:
Nascido em São Paulo, o Pr. Edilson Valiante formou-se em Teologia em 1979. Por
mais de 20 anos serviu como professor da Faculdade Adventista de Teologia. Foi
distrital, departamental de Educação e JA. Atualmente é o Secretário
Ministerial da União Central Brasileira. Casado com a professora Nely Doll
Valiante, possuem um casal de filhos: Luciene e Eduardo.
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