É interessante, e até um pouco surpreendente, descobrir que Armínio
e Arminianismo não foram sequer mencionados por Ellen White no O Grande
Conflito (ou em qualquer outro lugar dos seus escritos). Tal omissão, porém,
foi provavelmente porque a maioria das suas ideias importantes foram
transmitidas aEllen White e ao adventismo através da influência de John Wesley
(1703-1791) [1]. Seja como for, as ideias de Armínio provaram ser bastante
fundamentais para a chave dos ensinamentos doutrinários adventistas. Mas antes
de nos voltarmos a uma revisão dessas ideias importantes, nós precisamos saber
mais sobre a pessoa Jacobo Armínio e os seus posteriores discípulos arminianos.
Esboço Biográfico
Jacobo Armínio nasceu em Oudewater, perto de Utrecht, na
Holanda. [2] A sua família era da classe média foi devastada durante a infância
de Jacobo pela morte do seu pai. Mas essa tragédia foi agravada pela morte de
sua mãe e irmãos durante o massacre espanhol de Oudewater em 1575. O jovem Armínio
foi posteriormente ajudado por amigos da família que viram que ele recebera uma
educação universitária muito boa.
A sua educação superior começou em Marburgo, na Alemanha, em
1575 e na Universidade de Leiden, na Holanda, de 1576 a 1581. O seu talento
como estudante chamou a atenção de um número de ricos comerciantes de Amsterdão,
que patrocinaram os seus estudos teológicos posteriores. Este longo período
iniciado no ano de 1582 na Academia de João Calvino de Genebra continuou até
1586, com uma pausa para estudos adicionais em Basileia (1582-1583). O destaque
da sua educação teológica o capacitou a estudar com o renomado estudioso
Theodore Beza (1519-1605).
Beza se tornou o sucessor de João Calvino em Genebra,
especialmente no seu papel como professor de teologia líder na famosa academia
(agora Universidade de Genebra). Durante os estudos de Armínio em Genebra, Beza
(então com 62 anos) já era muito respeitado entre os crentes calvinistas /
reformados em toda a Europa. Beza era um Calvinista ferrenho e tomou a posição
mais radical sobre a doutrina da predestinação irresistível. Estas ideias
provaram ser muito importantes mais tarde, no desenvolvimento teológico de
Armínio e nos eventos subsequentes no calvinismo e protestantismo em todo o
mundo.
Após uma breve visita de estudo à Itália em 1587 (incluindo
a Universidade de Pádua), Armínio voltou para Amsterdão, na Holanda para
iniciar a sua carreira ao longo da vida como um pastor / erudito. Depois de sua
ordenação como pastor da influente “Igreja Velha” (o centro da vida da Igreja
Reformada em Amesterdão), Armínio serviria aquela congregação com grande
fidelidade e distinção até 1603. Em 1590 casou-se com Lijsbet Reael, uma filha
proeminente da aristocracia de Amsterdão, garantindo assim a estabilidade
financeira e o contínuo apoio dos comerciantes e líderes mais influentes da
cidade.
Em 1603 foi nomeado professor de teologia em sua “alma
mater”, a Universidade de Leiden. Esta foi a nomeação mais importante de sua
carreira, que só findaria com a sua morte prematura em 1609. Estes seis últimos
anos de sua carreira incluem sua eleição como reitor da universidade
(presidente), os trabalhos em curso como pastor, e a publicação de sua madura
obra teológica, “Declaração de Sentimentos”.[3]
Os acontecimentos mais memoráveis da sua carreira docente
foram as “controvérsias teológicas” (formalmente chamadas de “disputas”) com
seu colega e professor de teologia, Francisco Gomaras (1563-1641). Estes
controversos, mesmo amargos debates, forneceram a definição das contribuições
mais duradouras para o posterior avanço do arminianismo na Europa, América do
Norte e Mundo Protestante.
Antecedentes
Históricos
Enquanto o ponto de vista de Armínio causava uma divisão na
tradição Reformada ou Calvinista, ele sempre alegou (e com razão) ser um
calvinista em sua teologia básica. As maiores diferenças, entretanto,
centravam-se em sua interpretação controversa da predestinação e suas
implicações para outras doutrinas intimamente relacionadas. É interessante
notar que todos os anteriores e grandes reformadores protestantes da Reforma
Protestante na Europa no século XVI, haviam adoptado as ideias de Agostinho de
Hipona (Fim do quarto, início do século V dC) da irresistível “dupla
predestinação” [4]. Lutero, Zuínglio, Calvino, Bucer e Ballinger, todos
entendiam que todo ser humano era predestinado para a danação eterna ou para a
salvação pela irresistível e inescrutável sabedoria de Deus. Além disso, não
havia nada que qualquer pessoa pudesse fazer sobre isso (Excepto clamar que
estavam dispostas a serem salvas ou condenadas, tudo para a glória de Deus).
Quase a única excepção a esse consenso antes de Armínio foi
o suplente e sucessor de Lutero Filipe Melâncton (1497-1560). Mas, enquanto a
dissidência de Melâncton criou uma controvérsia relativamente pequena entre os
Luteranos, as ideias de Armínio criaram uma grande comoção que mudaria para
sempre as direções teológicas do protestantismo mais tarde, especialmente na
Grã-Bretanha e na América do Norte.
Armínio e os Arminianos Remonstrantes
Os principais temas teológicos de Armínio tiveram implicações
importantes para a doutrina e a experiência da salvação. [5] Como já
mencionado, a chave da controversa doutrina, que abriu o caminho para o que
hoje chamamos arminianismo doutrinário foi a rejeição de Armínio à doutrina
Agostiniana / Calvinista da eleição irresistível através da absoluta
predestinação. Defronte dos “alto calvinistas”, Armínio ensinava que a
predestinação é baseada na presciência divina da utilização que os homens
fariam dos meios da graça”. [6] Intimamente relacionado com a predestinação
absoluta do “alto-calvinismo”, estava a doutrina da “expiação limitada”, o
conceito de que apenas os eleitos seriam irresistivelmente salvos, e que Cristo
morreu apenas pelos “eleitos”.
Contra essa ideia restritiva, Armínio “afirmou que Ele
[Cristo] morreu por todos, embora nem todos recebem os benefícios da Sua morte,
excepto os crentes”. [7] Além disso, Armínio e seus seguidores arminianos se
opunham contra a “doutrina calvinista da graça irresistível” e “ensinavam que a
graça pode ser rejeitada”. [8] E, finalmente, Armínio e companhia, declararam a
incerteza em relação ao ensino calvinista da perseverança, mantendo a
possibilidade de que os homens podem perder a graça uma vez recebida”. [9] Em
outras palavras, o “uma vez salvo, sempre salvo”, foi questionado por muitos e
rejeitado mais tarde pela maioria dos arminianos.
Após a morte de Armínio em 1609, 41 de seus seguidores mais
fiéis compuseram uma declaração de fé em 1610, chamada de “Remonstrance” (Forte
Protesto). Assim é a partir deste título que o grupo
que formaria a génese do partido arminiano no protestantismo recebeu o nome de “Remonstrantes”. A publicação deste documento teria posto em marcha uma série de forças religiosas, políticas e sociais muito complexas que, resultariam na evocação do famoso Sínodo de Dort (Dordrecht, na Holanda) no final de 1618 e início de 1619.
que formaria a génese do partido arminiano no protestantismo recebeu o nome de “Remonstrantes”. A publicação deste documento teria posto em marcha uma série de forças religiosas, políticas e sociais muito complexas que, resultariam na evocação do famoso Sínodo de Dort (Dordrecht, na Holanda) no final de 1618 e início de 1619.
O Sínodo de Dort foi importante por uma série de razões, não
menos do que foi o primeiro e verdadeiramente formal, encontro internacional
dos calvinistas, com representação não só da Holanda, mas também da Alemanha,
Suíça, França e Grã-Bretanha. Por causa da ascendência política dos “alto
calvinistas,” não foi nenhuma surpresa que os “remonstrantes arminianos” fossem
veementemente rejeitados e seguiram-se terríveis perseguições, incluindo
execuções de um número de líderes remonstrantes e exílio forçado da maioria dos
que restaram.
Mas para ambas as gerações posteriores de calvinistas e
arminianos, as deliberações do Sínodo de Dort ajudaram a esclarecer totalmente
as ideias-chave em conflito e suas respectivas posições anteriormente delineadas
no início
deste artigo. Os arminianos claramente rejeitaram cinco pontos-chave dos
calvinistas. A resposta aos calvinistas era identificada pelo acróstico
conhecido como TULIP (T – Total depravação; U – Uma eleição incondicional; L –
Limitada expiação; I – Irresistível Graça; P – Perseverança, ou nenhuma perda
da salvação).
Como isso afetou mais
tarde a teologia protestante
Embora as ideias básicas do Arminianismo representavam o
consenso da igreja primitiva dos primeiros quatro séculos do cristianismo, elas
eram, certamente um claro afastamento do “alto Calvinismo”, inspirado no
pensamento de Agostinho de Hipona. Mas as principais influências que moldaram o
Arminianismo, encontraram seu solo mais fértil no Anglicanismo Evangélico, que
ficou conhecido por causa de seus filhos mais famosos, John e Charles Wesley,
no século XVIII – Como arminianismo wesleyano [10]. Foi esta forma de
Arminianismo evangélico de “coração” que foi a grande influência do avivamento
do século XIX do qual o adventismo do sétimo dia surgiu.
A Importância de Armínio
para o adventismo
O apanhado dos conceitos-chave do arminianismo foi
implicitamente, se não explicitamente, abraçado pela grande maioria dos
adventistas do sétimo dia. Nosso entendimento da salvação ressoa fortemente com
as ideias da liberdade humana que resultam das iniciativas criativas e recreativas
da graça de Deus. Tutelados pela ex-metodista e muito Wesleyana Ellen White que
abraçamos a conversão da graça, que vem da soberana e redentora iniciativa de
Deus. Mas essa graça sempre se desdobra persuasivamente, não coercitivamente.
Deus bate insistentemente na porta do coração, mas ele nunca chuta esta porta
sagrada. Temos afirmado a doutrina da depravação humana e da corrupção, mas
temos geralmente mantido que há uma piedosa graça dotada da liberdade de uma
“livre vontade”. [11]
Além disso, temos sempre desconfiado da perseverança
irresistível, ou a doutrina do “uma vez salvo, sempre salvo”. Essas noções
parecem constituir um local pré-fabricado para a “graça-barata” que leva a
presunção de pecar e a atitudes de desprezo para com a santa lei de Deus.
Mas em um nível mais elementar, embora possivelmente mais subtil,
provavelmente não haveria a doutrina adventista do Juízo (especialmente a
doutrina do juízo investigativo pré-advento) se não houvesse a doutrina da
graça gratuita e o livre arbítrio. De fato, uma das razões muito fortes do
porque arminianos vieram a rejeitar a doutrina da eleição irresistível, ou
predestinação determinista, foi a alegação de que esta lógica de ensino efectivamente
faz Deus ser o autor do pecado! Assim, no cerne dessa forte e negativa reação à
eleição está um irresistível desejo de defender a graça do amor de Deus.
Esta noção arminiana da Livre graça, parece implicitamente
levar a uma forte ênfase no chamado, convicção, justificação e graça
santificante – cujos frutos serão plenamente exibidos no público e final
julgamento de Deus. Será, portanto, esta exibição do “fruto” da prova da fé,
que irá persuasivamente contribuir para a vindicação final de Deus das relações
com o pecado e os pecadores através de Seu juízo de investigação. Para colocar
de forma bem simples: sem “livre graça” e ”livre vontade”, sem Deus-vindicando
“o tema do Grande Conflito” para o Adventismo do Sétimo Dia.
Talvez a questão possa ser dita retoricamente: Por que
deveria haver qualquer questionamento das decisões de Deus, se todas as suas
decisões de salvação já foram pré-determinadas? Assim, tudo o que sugere um
julgamento público seria simplesmente um processo de revelar as inexplicáveis,
inescrutáveis, irresistivelmente pré-determinadas decisões de salvação ou
condenação de Deus.
Um Bom Conselho
E finalmente com a introdução de uma forte doutrina da
santificação, ou graça transformadora emanada do Arminianismo, especialmente
dos Wesleyanos e adventistas do sétimo dia, não deve causar nenhuma surpresa que
até mesmo o próprio Armínio era levado a refletir sobre questões da garantia
pessoal de salvação e assuntos intimamente relacionados mas sempre desafiadores
a respeito do tema da perfeição cristã. Sua sabedoria sensata convida a uma
leitura atenta e uma resposta ponderada:
“Mas, embora eu nunca afirmei que um crente possa
perfeitamente manter os preceitos de Cristo nesta vida, eu nunca neguei, mas
sempre deixei isso como uma questão que ainda tem de ser decidida.” Assim,
embora não preocupado com a perfeição, ele ofereceu algum conselho sábio sobre
as disputas aparentemente intermináveis sobre a questão perfeição que deve
repercutir positivamente nos Adventistas do Sétimo Dia arminianos de “coração”:
“Acho que o tempo pode ser muito mais feliz e útil se
empregado em orações para obter o que falta em cada um de nós, e em
admoestações sérias para que cada um se esforce para prosseguir e avançar para
a marca da perfeição do que quando gasto em tais disputas”. [12] Poderia esta
prática sabedoria ser reivindicada na vida dos “filhos de Armínio” que vão
levá-la ao coração? Nós fervorosamente esperamos que sim.
Enquanto Armínio não teve muita audiência consciente entre
os adventistas, oro para que esta breve introdução à sua vida e pensamento e
suas positivas influências sobre o subsequente progresso entre os nossos mais
próximos antepassados protestantes e adventistas desperte a sua curiosidade
espiritual e teológica. Sem a influência da vida e do pensamento deste fiel e
prudente servo de Deus, nossa doutrina e experiência de salvação seriam muito
pobres e o amor de Deus gratuitamente concedido (incluindo a doutrina muitas
vezes incompreendida dos juízos de Deus) seria muito desvalorizada.
Referências
1 For an
authoritative, concise, yet readable account of the life of Wesley, see Kenneth
J. Collins, A Real Christian: The Life of John Wesley (Nashville, Tenn.:
Abingdon, 1999).
2 The name Jacobus Arminius is a Latinized
form of his birth name, Jacob Harmenszoon. The best scholarly biography of
Arminius is still Carl Bangs, Arminius: A Study in the Dutch Reformation, 2nd
ed. (Grand Rapids, Mich.: Zondervan, 1985). The following biographical sketch
was basically drawn from (1) Carl Bangs’ article entitled “Arminius, Jacobus,”
in Mircea Eliade, ed., The Encyclopedia of Religion (New York: MacMillan,
1987), vol. 1, pp. 419, 420; (2) Victor Shepherd’s article entitled “ARMINIUS,
Jacobus,” in Timothy Larsen, ed., Biographical Dictionary of Evangelicals
(Downers Grove, Ill.: InterVarsity, 2003), pp. 18-20; and (3) J. K. Grider’s
article entitled “Arminius, James,” in Walter A. Elwell, ed., Evangelical
Dictionary of Theology, 2nd ed. (Grand Rapids, Mich.: Baker, 2001), pp. 98, 99.
3 These writings, along with the rest of his
literary pieces, are included in the most recent edition, entitled The Works of
James Arminius, 3 vols., translated and edited by James Nichols and William
Nichols (Grand Rapids, Mich., Baker, 1996).
4 The phrase “double predestination” marks the
view that God chose who would be saved and who would be lost, and that His
decision is infallibly to come to pass.
5 The following theological developments have
been greatly informed by the concise comments of Williston Walker, A History of
the Christian Church, rev. ed. (New York: Charles Scribner’s Sons, 1959), pp.
399-401; the clearly written and helpful insights of Justo L. Gonzalez in his A
History of Christian Thought, Vol. III, rev. ed. (Nashville, Tenn.: Abingdon,
1975), pp. 279-288; and J. K. Grider’s article entitled “Arminianism,” in Evangelical
Dictionary of Theology, pp. 97, 98.
6 Walker, p. 400.
7 Ibid.
8 Ibid.
9 Ibid.
10 Grider, “Arminianism,” p. 98.
11 This is theologically expressed by the
technical term “prevenient grace,” which literally means the grace of God that
comes before (pre-venio) sinners would ever think to go to God for help.
12 Cited by Carl Bangs, Arminius: A Study in
the Dutch Reformation, p. 347.
_________
Artigo de Woodrow W.
Whidden, publicado na Adventist Review de 14 de Outubro de 2010. Crédito da
Tradução: Blog Sétimo dia http://setimodia.wordpress.com/
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