27/06/11

JESUS O “UNIGÉNITO FILHO DE DEUS” – GERADO OU ETERNO?

A palavra “unigénito” (monogenes), quando aplicada a Cristo, destaca a Sua singularidade – Ele é o único através do qual podemos obter vida eterna.
As Escrituras falam de Jesus como sendo eterno (Jo 1:1; Hb 1:8,10-12, etc). No entanto, deparamo-nos com passagens onde Jesus é chamado de “unigénito” (por exemplo, Jo 3:16), palavra que vem do latim ”unigenitus” cujo significado é “único gerado por seus pais, filho único”.1 Mas, se Jesus é eterno, como pode ter sido “gerado”?
As línguas bíblicas são de muito auxílio para uma boa interpretação dos textos bíblicos. Nesse sentido, um estudo do significado da palavra grega monogenes ajuda a compreender melhor a Pessoa do Filho na Sua relação com o Pai e a humanidade.
A palavra grega monogenes é composta de duas outras: monos, que significa “único” “” “sozinho” “sem igual”2 e genos, cujo significado é “espécie” “género” “classe”3 a Sua melhor tradução seria, então, “único” “único da sua espécie” “único do seu gênero”4.
A palavra monogenes tem a sua correspondente na palavra hebraica yachíd , cuja tradução é “único” “precioso” como era o caso de Isaque (Gn22:2,12,16). Ele era “único”, no sentido de ser o único filho da promessa, e não no sentido de ser o único filho gerado por Abraão.5 Talvez a melhor tradução da
palavra [monogenes] seja ”único” no sentido de “sem igual”.6
“Monogenes, único! é achado como título cristológico somente em João. Monogenes emprega-se para destacar Jesus de modo sem igual, acima de todos os seres terrestres e celestiais.”7 Jerónimo empregou “unigenitus” na Vulgata, para combater a argumentação ariana de que Jesus teria sido feito pelo Pai. Ao dizer que Jesus era “unigenitus” (“único gerado”), queria dizer que o Filho procede do Pai e que tem a mesma natureza divina do Pai, mas não foi feito 8, como é o caso das demais criaturas. “Jesus como monogenes é Aquele que pode dizer ‘Eu e o Pai somos um’” (Jo 10:30).9
Monogenes – [...] traduz-se corretamente como “único” “único de seu género” [...] Monogenes refere-se à posição (único no seu género). [...] Assim também com respeito aos cinco textos de João que se referem a Cristo, a tradução deveria ser uma das seguintes: “único” “precioso” “exclusivo” “incomparável” “o único de sua classe”; porém não “unigénito” que se originou com os primeiros pais da Igreja Católica e entrou nas primeiras traduções da Bíblia devido à influência da Vulgata Latina, texto oficial da Bíblia para a Igreja Católica. Refletindo com exatidão o grego, vários manuscritos redigidos em latim antigo, anteriores à Vulgata, dizem ”único” e não “unigénito”10
O vocábulo monogenes aparece nove vezes no Novo Testamento11, três vezes no Evangelho de Lucas, cinco no Evangelho de João e uma vez no livro de Hebreus.
No Evangelho de Lucas, monogenes não tem conotação teológica ou cristológica, mas se refere a filhos únicos do seus pais: o filho único de uma viúva de Naim (Lc 7:12), a filha única de Jairo (8:42), e o filho único de certo homem que rogou a Jesus que expulsasse o demónio do seu filho (9:38).
Já em Hebreus (11:17) o vocábulo monogenes é empregue para se referir a Isaque – filho único de Abraão e Sara (pois esse patriarca tinha outros filhos: Ismael, de sua escrava Hagar, cf. Gn 16:15; mais seis filhos, de sua esposa Quetura, cf. Gn 25:1, 2; além de outros filhos, de várias concubinas, cf. Gn 25:6). Pode-se também aplicar o termo monogenes a Isaque no sentido de que ele era o único filho da promessa.12
João é o único que aplica o termo monogenes como título cristológico, e fá-lo em todas as cinco vezes onde o termo aparece nos seus escritos (4 vezes no Evangelho e 1 vez em 1 Jo 4:9). João faz uso desse termo para enfatizar a natureza ímpar, sem igual, de Jesus Cristo. Analisemos, mais detidamente, as passagens joaninas onde ele emprega o vocábulo monogenes:
João 1:14: “E o Verbo Se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a Sua glória, glória como do unigénito do Pai.” Nesse texto, aparecem dois títulos dados ao Filho: Ele é o Verbo [lógos] ou a Palavra divina, o Criador, Aquele que ”estava com Deus” quando tudo foi criado, e “era Deus” (Jo 1:1-3). Além de Criador, Ele é também o Filho único de Deus, único na Sua espécie, pois é Deus pleno e homem pleno. Ele é o homem Jesus Cristo, mas também é “Emanuel” – “Deus conosco” (Mt 1:23). “Quando João fala do Filho de Deus, ele tem primeiramente a ideia de que o homem Jesus Cristo não é exclusivamente homem, mas também o exaltado e pré-existente Senhor.”13 Assim, tendo em vista a argumentação no início deste post quanto ao significado de monogenês, poderia se traduzir esse termo como ”único”: “E vimos a Sua glória, glória como do [Filho] único do Pai.”
João 1:18: “Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigénito, que está no seio do Pai, é quem O revelou.” A expressão “Deus unigénito” (seria mrçhor traduzida para “Deus único”) aparece em alguns manuscritos.14 Outros, no entanto, em vez de ”Deus único” trazem “o Filho único”15 Aqueles manuscritos que trazem ”Deus único” contribuem com uma afirmação adicional quanto à divindade do Verbo.16 Os que apresentam a expressão “o Filho único” destacam o relacionamento de Jesus com o Pai. ”Como Filho único Jesus está em íntima comunhão com Deus. Não há outro com o qual Deus possa ter semelhante relacionamento. Ele compartilha cada coisa com Seu Filho. Por essa razão, Jesus pode revelar Deus, não por ouvir dizer, mas por causa da Sua incomparável proximidade de relacionamento com Ele [o Pai] .”17
João 3:16: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigénito, para que todo o que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” Essa passagem pode ser considerada o resumo do Evangelho, e até da Bíblia. Como vimos, “unigénito” deveria ter sido traduzido por ”único” O emprego de monogenes, neste versículo, segue a ideia joanina de enfatizar a forma particular de comunhão que o Filho tem com o Pai, como nenhum outro ser o tem. Cristo não é Filho de Deus por Seu nascimento natural (Encarnação), pois o Seu relacionamento com o Pai antecede a esse acontecimento. Tal relacionamento é eterno. Assim, o facto de Deus dar o Seu único Filho realça a profundidade do Seu amor pela humanidade.18 Ele deu o que de mais precioso poderia ser dado.
João 3:18: “Quem nEle crê não é julgado; o que não crê já está julgado, porquanto não crê no nome do unigénito Filho de Deus.” Mais uma passagem de João, onde ele evidencia a natureza ímpar de Jesus como o Filho de Deus.19 Só pode haver salvação se houver a aceitação do Filho único de Deus, “o qual, devido à Sua natureza sem par, é o único salvador dos homens.”20 Essa passagem de João ecoa nas palavras de Pedro: “E não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do Céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos” (At 4:12).
1 João 4:9: “Nisto se manifestou o amor de Deus em nós: em ter Deus enviado o Seu Filho unigénito ao mundo, para vivermos por meio dEle.” Mais uma vez o vocábulo monogenes é empregue por João para destacar a natureza sem igual de Jesus Cristo, sem qualquer ênfase na ideia de geração. “Ele é o único Salvador e Mediador. O Filho de Deus é declarado unigénito, ‘termo que fala sobre ’relacionamento’ e não sobre origem.. Tal relacionamento é eterno.”21
Em conclusão ao estudo da palavra monogenes no Novo Testamento, podemos ver que, nas passagens referentes a Cristo, ela é empregue pelo apóstolo João para destacar a Sua singularidade, Jesus é o Único que é Deus pleno e homem pleno, o Único através do qual podemos obter vida eterna, o Único que tem poder absoluto sobre a morte, pois a venceu, ao ressurgir dos mortos pela vida que havia em Si mesmo (Jo 10:17 e 18; 11:25).
Referências:1. Novo Dicionário Aurélio da Língua Poituguesa, p. 2020.
2. BARTELS, K. H, in: COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, v. 2. São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 2564.
3. NICHOL, F. D, ed. Comentário Bíblico Adventista del Séptimo Dia, v. 5. Boise: Publicaciones lnteramerianas, 1987, p. 880.
4. Angel Manuel Rodriguez chama a atenção para o fato de genos estar relacionado ao verbo ginomai (nascer, ser feito, tornar-se), e assim o vocábulo monogenès poderia também significar “único gerado”. Contudo, afirma ainda Rodriguez, que “há evidência lingüística indicando que no tempo do Novo testamento a idéia de derivação ou nascimento estava separada do substantivo verbal genos”. Assim, seria melhor não dar demasiada ênfase na etimologia de monogenês, mas na maneira como os autores o empregam. (R0DRÍGUEZ, M. A. “Christ as Monogenes: Proper Translation and Theological Significance”, Reflections – A BRI Newsletter, January, 2007, p. 6).
5. WRIGHT, J, in: COENEN, L. & BROWN, Dicionário lntemacional de Teologia do Movo Testamento, v. 2, op. cit, p. 565.
6. Ibid.
7. BARTELS, K, in: Ibid, p. 25 65.
8. Quisesse um escritor bíblico dizer que Jesus foi “gerado” no sentido de”ter sido feito” ou “concebido”pelo Pai teria empregado monogênnetos e não monogenês (cf. MOULTON e MILLIGAN, citado por APOLINÁRIO, P. As Testemunhas de Jeová e sua Interpretação da Bíblia,4. ed. São Paulo: Instituto Adventista de Ensino, 1986, p. 147).
9. Ibid, p. 2566.
10. NICH0L, F.D., ed. Comentário Bíblico Adventista del Séptimo Dia,v.5. Boise: Publicaciones Interamericanas, 1987, p. 880.
11. As citações são da Versão Almeida Revista e Atualizada no Brasil, edição de 1993.
12. WRIGHT, J., in: COENEN, L & BR0WN, Dicionário Internacional do Novo Testamento, v. 2, op. cit, p. 565.
13. KITTEL, G., Theological Dictionary of the New Testament, v. 4. Grand Rapids: Eerdmans Printing Company, 2006, p. 741.
14.
15.
16. WRIGHT, J, in: COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, v. 2, op. cit, p. 570.
17. KITTEL, G., ed. Theological Dictionary of the New Testament, v. 4, op. cit., p. 740.
18. CHAMPLIN, R.N.O Novo Testamento lnterpretado, v. 2. São Paulo: Candeia, 1995, p. 312.
19. Ibid, p. 313.
20. Ibid.
21.lbid,v.6,p.278.
Texto de autoria de Ozeas C. Moura,Th . D., editor na Casa Publicadora Brasileira. Publicado na Revista Adventista de Janeiro/2008.

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