10/01/12

Uma Parábola da Maneira como Vemos a Cruz!

O Calvário está a certa distância. Ao nos aproximarmos do monte sagrado, multidões atropelam-se pelo caminho em peregrinação, como nós, para o mesmo lugar. Considerando que alguns não são companhia muito agradável, procuramos caminhos mais aprazíveis, caminhos trilhados por peregrinos mais respeitáveis.
Continuando a peregrinação, tornamo-nos sabedores de outras trilhas conduzindo a alturas que prometem excelente visão do Calvário, longe da multidão comum. Talvez, desses pontos mais vantajosos e distantes, seremos capazes de visualizar o Calvár io em uma perspectiva mais ampla do que aquela vista pela multidão aglomerada no monte do Gólgota.
Estudamos os sinais que apontam para pontos alternativos. Um aponta para o caminho do Monte da História. Outros para o Monte da Arte, Monte da Filosofia, Monte da Teologia e o Monte dos Méritos ou Boas Obras - todos os pontos vantajosamente posicionados, ao redor do Calvário. Com o tempo a nosso favor, pusemo-nos a caminho para visitá-los, antevendo uma experiência enriquecedora e de perspectivas amplas.
Com muitos discursos explicativos ao longo do sinuoso caminho, ascendemos primeiro ao Monte da História. No seu cume há um liceu com uma imensa biblioteca, com muitos guias experientes. Telescópios que possibilitam uma magnífica vista do Gólgota são fornecidos. Através desses telescópios da História, o Calvário parece muito real, tão vívido como um filme documentário, uma forma de produção cinematográfica contemporânea da vida de Cristo.
Neste primeiro monte, aprendemos muito sobre os antigos romanos e judeus no tempo de Cristo. Investigamos o extraordinário sistema judaico de justiça e como este perverteu o julgamento de Jesus. Aprendemos sobre o método romano de execução. Com as filhas de Jerusalém, pranteamos em humana simpatia pela dor e sofrimento de Cristo, causados pelos guardas romanos e pelo peso da cruz em Suas costas.
Olhando noutra direção, volvemonos para um rumo mais intelectual, a fim de verificar os relatos do Evangelho e da antiga tradição de que Jesus foi pregado em uma cruz da qual a viga horizontal fora fixada bem abaixo do topo da peça vertical (crux immissa), e não em uma cruz em forma de ”T” (crux commissa), algumas vezes também usadas para crucifixão. Aprendemos muito neste monte – o suficiente para preencher milhares de páginas.
Estimulados e movidos pelo nosso recém-adquirido conhecimento e pela percepção elevada, apressamos para o Monte da Arte. Chegamos ali pelo caminho da sensibilidade artística. As faces dos peregrinos neste caminho são carregadas e contemplativas. Ao subirmos falamos pouco, mas esboçamos palavras, quadros e notações musicais ao longo do caminho.
Uma vez no topo, vemos o Calário em uma variedade de cores e luzes, de luminoso a lúgubre. As representações - por vezes vívidas, às vezes etéreas - são repletas de charme místico. Afastamo-nos com o coração agitado, porém saciado pelo gênio absoluto dos vários retratos da Pa ixão – em palavras, quadros e música. Com o coração sedento por uma revelação mais rica, descemos pelo lado mais afastado do monte, com passos lentos no caminho íngreme, angular, que leva às alturas tranqüilas da próxima elevação.
* Frederick W. Fáber, no Cantai ao Senhor, 55
Sobre o cume deste monte vemos um brilho âmbar emanando de um templo circular com muitas janelas. Algumas transparentes, algumas de vidro colorido e outras opacas. Silentes, entramos para ver homens e mulheres devotos ponderando atenciosamente sobre os mistérios do Calvário, pronunciando
palavras que enchem nossa alma com o desejo de uma proximidade maior com a cruz de Jesus.
Ocasionalmente, uma explosão de linguagem erudita ou uma disputa veemente agita o tema de suas reverentes investigações.
Deste monte, o mais próximo do Calvário, vislumbra-se a cruz como um alabastro, algumas vezes como ouro e ainda outras vezes parece como madeira plana, inflexível e infrutífera. Mesmo assim, permanece dignificada em todos os aspectos.
Mas enquanto ouvimos sobre o sangue de Jesus aqui neste monte, não o vemos nem o sentimos fluir. E com relação a Cristo, os teólogos O descrevem vagamente perante nossa visão mental. Nossas esperanças, ainda que inflamadas, permanecem muito obscuras.
Pensando em levantar nossa cruz, prosseguimos no nosso caminho, sedentos e cansados, até a próxima escalada.
No Monte dos Méritos, ou Boas Obras, nosso objetivo é realizar obras dignas, para nos tornarmos mais receptivos ao amor de Deus, mais elegíveis ao Seu favor. Este monte tem um cume amplo, plano, que se estende além de nossa visão. Cidades e vilas e todas as espécies de lugares rurais encontram-se espalhadas em sua superfície. Necessidades incontáveis nos chamam a atenção. Pequenos serviços e grandes atos heróicos de todos os tipos solicitam nossa participação. O dia transforma-se gradativamente em noite e a noite também avança lentamente. Nossos dias passam rapidamente ao nos esforçarmos para crescer em retidão por obras nobres.
Mas, no final, nossos melhores esforços provam-se inadequados – manchados com o denso, tenebroso líquido de nosso egoísmo. Nosso coração permanece cansado, irritadiço e impuro. Paz, santidade e amor divinos parecem mais remotos, mais inatingíveis do que antes.
Ainda o Calvário acena à distância - como uma força oculta silentemente inatingida.
Ao subirmos a ladeira estéril do Gólgota, as multidões que tínhamos
visto antes desapareceram da nossa visão. Sentíamo-nos inexplicável e misteriosamente sozinhos. Tudo parece parar ao chegarmos ante o austero monumento da graça de Deus, bem na presença do Sublime Sofredor, na cruz fixada por estacas de ferro. Por estacas de ferro sim, mas também por um amor sem paralelo, fluindo em rios avermelhados.
Nossos olhos, a despeito de nosso terror, levantam-se para cima – como por um ímã – para ver a forma da qual os rios brilhantes fluem. Esperança e contrição alojam-se em nosso coração. Incapazes de permanecer na presença desse majestoso sofrimento sem méritos, caímos prostrados. O Justo morrendo pelo injusto, para que pudéssemos ser levados a Deus!
Tendo um sentimento de infinita indignidade, tememos pronunciar qualquer palavra – de louvor ou de confissão. Na presença do amor encarnado, sentimo-nos como pecado encarnado.
Mas dos lábios da forma moribunda ecoam as palavras de esperança: ”Tornei-Me pecado por você, para que você se torne justo perante Deus, por Meu intermédio!”
Nós imploramos, cada um, por perdão: “Senhor, tem misericórdia de mim, pecador”.
Então, mais rica do que qualquer música, ecoam palavras de amor dos lábios moribundos: “Você está perdoado e incólume por Meu sangue. Tome sua cruz e siga-Me. Algumas vezes você Me seguirá em pesada servidão ou em meio à dor; outras vezes em uma vida livre, sem temores, com amor genuíno no poder da Minha salvação”.
Repentinamente, nossa língua se solta para confessar nossos pecados, para regozijo no perdão que Ele dá, para procurar Sua justiça e para louvá-Lo por Seu glorioso amor. A cruz torna-se uma árvore da vida para nós, um corredor vivo de infinita esperança, uma ponte para o Céu, uma chave de conhecimento, um selo de salvação, um estímulo à bondade e boas obras, um destruidor do pecado, uma ligação de união com todos os que amam a Deus, uma fonte de justiça e misericórdia – imensuravelmente profunda, e ainda sempre acessível.
Depois de muito caminhar sobre pedras soltas e areia seca, alcançamos o cume do Monte da Filosofia. Aqui descansamos em uma estrutura partenônica, da qual um dos lados estreitos está de frente para o poente, em direção ao Calvário, mas com a visão parcialmente obscurecida por uma floresta irregular. Este é um lugar para meditação abstrata e discursos de difícil compreensão; um lugar onde a percepção material pouco conta. Homens com entonações cultas exibem idéias profundas e intrincadas, relativas à soteriologia (a doutrina da salvaç ão) e o significado moral do auto-sacrifício voluntário. Aqui o Calvário é saudado como grande heroísmo e recôndita façanha, com intenções tão ardilosas quanto o Santo Gral. Cansados e vagueando, traçamos nosso caminho mistificado em direção da ladeira do próximo monte.

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